Emissora completaria 35 anos. Relembre a trajetória da extinta TV Manchete.
POR FÁBIO COSTA com edição do DT
05/06/2018 - No dia 5 de junho a
Rede Manchete completaria 35 anos no ar caso ainda estivesse em atividade. A emissora fundada por Adolpho Bloch e originada de sua empresa jornalística, sucesso com veículos impressos como Fatos e Fotos, Manequim, Mulher de Hoje e, claro, Manchete, que emprestou seu nome e seu prestígio à nova empreitada do imigrante ucraniano, entrou no ar na noite de 5 de junho de 1983, quase no limite do prazo que o Ministério das Comunicações deu a Bloch quando lhe concedeu cinco das nove emissoras cassadas da Rede Tupi em 1980. As outras quatro foram para Silvio Santos e, somadas à TVS, Canal 11 carioca, deram origem ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).
Apenas perto de completar um ano no ar, em maio de 1984, foi que a Manchete enfim estreou no campo da teledramaturgia, com uma bem cuidada minissérie: Marquesa de Santos. Escrita por Wilson Aguiar Filho a partir da obra de Paulo Setúbal e dirigida por Ary Coslov, a história se concentrava no tempo do Primeiro Reinado (1822-1831), e falava do romance entre o imperador D. Pedro I (Gracindo Júnior) e Domitila de Castro Canto e Mello (Maitê Proença), a quem ele concede o título de Marquesa de Santos a certa altura apenas para afrontar seu tutor e figura importante do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva (Leonardo Villar), que detestava a mulher – Santos era a terra natal dos Andradas e Domitila sequer era de lá. Uma protagonista bonita, sensual, voluntariosa e um galã mostrado sem concessões, em meio a casos amorosos com várias mulheres além de Domitila, com as quais traía desbragadamente a esposa, D. Leopoldina (Beth Goulart), ajudaram a erguer a produção caprichada, que foi reprisada pela emissora em diversas ocasiões e lançada num compacto em VHS.
Em 1984 foram ao ar ainda as minisséries Viver a Vida, de Manoel Carlos, que nada tinha a ver com a novela do autor exibida pela Globo 25 anos depois e contava a história do jovem ambicioso Marcelo (Paulo Castelli), dividido entre o amor verdadeiro por Marly (Louise Cardoso), a namorada dos tempos de pobre, e a possibilidade de ascender por meio do casamento com a rica herdeira Maria Eduarda (Cláudia Magno). A base era o romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser; e Santa Marta Fabril S. A., escrita por Geraldo Vietri a partir do texto teatral de Abílio Pereira de Almeida, que falava da família de Dona Marta (Nathália Timberg), proprietária de uma indústria têxtil.
No ano de 1985, já com algum know-how no setor, a Manchete decidiu produzir sua primeira novela, e escolheu uma história de Vietri já exibida pela Rede Tupi em 1968: Antônio Maria, que marcou a carreira de Sérgio Cardoso, trouxe o cantor português Sinde Filipe e Elaine Cristina nos papéis principais e não repetiu o sucesso da versão original, em parte porque na atualização da história foi cortado um barato todo especial: os espectadores souberam de cara que Antônio Maria era muito rico em Portugal e abandonou a vida que tinha para viver como motorista de uma família rica no Brasil motivado por conflitos particulares, especialmente com a madrasta Amália (Eugênia Melo e Castro), apaixonada por ele. Romântico, envolvente, admirador de Camões, Antônio Maria não encantaria da mesma forma se o público soubesse que ele não era um simples motorista.
A pouca repercussão do projeto adiou por alguns meses a entrada no ar de outra novela, o que ocorreu apenas em abril de 1986, dessa vez com sucesso: Dona Beija, escrita por Wilson Aguiar Filho, marcou com sua história cheia de romance, erotismo e vingança, centrada na personagem-título vivida por Maitê Proença e seu grande amor, Antônio Sampaio (Gracindo Júnior), na cidade mineira de Araxá de meados do século 19. Desonrada e humilhada, a jovem pura se converte na mais luxuriosa das cortesãs, desejada por todos os homens. A novela foi reprisada pela Manchete em duas ocasiões e pelo SBT em uma.
Até o fim da década de 1980, com algumas pausas, a Manchete seguiu investindo em dramaturgia e conseguiu chamar a atenção com novelas diferentes das globais, com menos amarras temáticas e, especialmente no horário das 21h30, pitadas de violência, assuntos urbanos e atuais. Novo Amor (1986), de Manoel Carlos, falava do triângulo amoroso entre a estilista Fernanda (Renée de Vielmond), o senador Marco Antônio (Carlos Alberto) e o comissário de bordo Bruno (Nuno Leal Maia). Mania de Querer (1986/87), de Sylvan Paezzo, trazia como protagonista uma ex-prostituta, Vanessa (Nívea Maria), que se casa com Ivan (Marcelo Picchi), de família rica, mas reencontra um homem que conhece seu passado e pode ameaçá-la – Ângelo (Carlos Augusto Strazzer).
Corpo Santo (1987), de José Louzeiro e Cláudio MacDowell, fazia uso do formato novela-reportagem para falar com crueza e verdade sobre a violência urbana, o dia a dia de policiais corruptos e outros, corretos, a batalha do jornalismo na denúncia desses fatos e o mundo dos filmes pornôs, no qual Téo (Reginaldo Faria) desejava inserir Lucinha (Sílvia Buarque), aproximando-se para isso da mãe da jovem, Simone (Christiane Torloni). Embora “pesada”, ou talvez por isso mesmo, a novela foi muito elogiada pela crítica e garantiu boa audiência à Manchete.
Sua sucessora Carmem (1987/88), de Glória Perez, transpôs a personagem sedutora da ópera para a telenovela, inserindo-a no Rio de Janeiro dos anos 1980. A personagem principal (Lucélia Santos) fazia um pacto com a Pombagira (Neusa Borges) para obter o poder de sedução sobre todos os homens, após grande desilusão com o mau-caráter Ciro (Paulo Betti). Este se infiltra nas empresas e na família do milionário Junot (Maurice Vaneau) e o chantageia com o segredo a respeito de sua sexualidade.
Olho no Olho (1988/89), de José Louzeiro, se valia do mesmo universo de Corpo Santo, agora centrando a história no desejo de vingança da família de Horácio Falcão (Henrique Martins) após a morte do patriarca. Seus filhos Justo (Flávio Galvão), Máximo (Flávio Galvão), Caio (Caíque Ferreira) e Júlio (Nehemias Demutcha) e a mulher, Ana (Geórgia Gomide), se mudam para o Rio de Janeiro para fazer justiça.
Ainda em 1986 foi criado um segundo horário de novelas, às 19h45min, antes do Jornal da Manchete, que exibiu Tudo ou Nada, de José Antonio de Souza, com Elizângela, Othon Bastos, Vanda Lacerda, Gracindo Júnior, Edwin Luisi e Bia Seidl; e Helena, de Mário Prata, baseada em Machado de Assis, com Luciana Braga, Thales Pan Chacon, Aracy Balabanian, Othon Bastos, Mayara Magri e Isabel Ribeiro.
Em 1989, após preparativos que duraram meses e muita especulação em torno do elenco, estreou uma das melhores novelas da emissora: Kananga do Japão, escrita por Wilson Aguiar Filho tendo por base um argumento do próprio Adolpho Bloch e de Carlos Heitor Cony. Um rico painel do Rio de Janeiro dos anos 1930, a partir do amor surgido entre o malandro Alex (Raul Gazolla) e Dora (Christiane Torloni), moça cuja família perde tudo no crack da Bolsa de Nova York, e dos frequentadores do Grêmio Recreativo Kananga do Japão, na Praça XI. Fica o destaque para o elenco estelar, que contava com nomes como Cláudio Marzo, Tônia Carrero, Carlos Alberto, Elaine Cristina, Carlos Eduardo Dolabella, Sérgio Viotti, Lúcia Alves, Yara Lins, Rubens Corrêa, Rosamaria Murtinho, Zezé Motta, Edwin Luisi e Sérgio Britto, entre outros, e a elaborada abertura, na qual um casal dança por cenas que evocam o momento retratado pela história.
Mas seria a sucessora de Kananga do Japão que marcaria para sempre a história da Rede Manchete. Escrita por Benedito Ruy Barbosa, projeto acalentado há anos pelo autor e que a Rede Globo deixou passar, Pantanal conquistou uma audiência incrível para uma novela da concorrência desde que a emissora dos Marinho tornou-se hegemônica na TV brasileira. Através da família do fazendeiro José Leôncio (Cláudio Marzo), a vida no Pantanal e uma reflexão sobre a integração do homem com a natureza, devido aos contrastes dos jovens apaixonados Juma Marruá (Cristiana Oliveira), a moça que vira onça, e Joventino (Marcos Winter), um dos filhos de José Leôncio. Um grande momento.
A Manchete nunca mais repetiria o mesmo sucesso, embora tenha produzido outras histórias que chamaram a atenção nos anos seguintes, especialmente A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990/91), de Marcos Caruso e Rita Buzzar, com Ingra Liberato, Almir Sater, Nelson Xavier, Tamara Taxman, Giuseppe Oristânio e Micaela Góes; e Xica da Silva (1996/97), de Walcyr Carrasco, com Taís Araújo, Victor Wagner, Drica Moraes, Carlos Alberto, Carla Regina e Murilo Rosa.
No começo dos anos 1990, a Manchete atacou a Globo também com minisséries na mesma faixa das 22h30, e produziu obras bastante interessantes como Escrava Anastácia, de Paulo César Coutinho, com Ângela Corrêa, Flávio Galvão e Tarcísio Filho; Ilha das Bruxas, de Paulo Figueiredo, com Mirian Pires; e Floradas na Serra, de Geraldo Vietri a partir da obra de Dinah Silveira de Queiroz, com Myrian Rios, Tarcísio Filho, Marcos Winter e Mika Lins.
Os prejuízos provocados pelo insucesso da caríssima Amazônia (1991/92), de argumento inicial de Jorge Duran e Regina Braga, e o embargo judicial de O Marajá (1993) pelo retratado Fernando Collor de Mello somaram-se a uma deterioração cada vez maior da situação da emissora, que culminou em sua falência. A última novela da Manchete, Brida (1998), de Jayme Camargo, baseada na obra de Paulo Coelho, teve um final narrado aos espectadores sobre cenas congeladas, já que elenco e equipe haviam cruzado os braços por não receberem seus salários. Um triste fim para uma emissora que representou grande alternativa na TV brasileira, buscou caminhos menos óbvios e ousou na produção de atrações com identidade própria, ao invés do caminho da simples cópia, que não sai com a mesma qualidade do original imitado.