Os olhos e os ouvidos do público dificilmente notam alguma diferença entre o violão fabricado por Henrique Pinto e qualquer outro instrumento desse tipo. A diferença está em um detalhe que orgulha o luthier formado no Conservatório de Tatuí – instituição do Governo do Estado de São Paulo e da Secretaria da Cultura do Estad: “Só de olhar ou ouvir, ninguém fala que este é um violão feito de papel”.
O violão de papel de Henrique Pinto tem características que o tornam único no mundo, resultado de uma história iniciada há 20 anos. “Quando era pequeno eu tocava surdo, mas o instrumento era muito pesado. A minha mãe, que trabalhava com papel, resolveu usar este material para fazer a carcaça de um surdo mais leve”, comenta o luthier.
Nos anos seguintes, Henrique dedicou-se à música. A ideia de construir instrumentos de papel voltou-lhe em 2013. Com este propósito, em 2014 ele ingressou no curso de luteria do Conservatório de Tatuí. “Entrei para entender como funcionam os instrumentos de madeira para poder fazer o mesmo com o papel”. Nos primeiros semestres, o trabalho ficou concentrado na pesquisa.
Henrique escolheu a técnica da papietagem, que consiste na colagem de folhas de papel “kraft” umas sobre as outras até formar uma estrutura semelhante a placas de madeira. Trata-se de uma técnica criada por Pablo Picasso, espanhol do século XVII que, além de pintor – o expoente máximo do Cubismo –, era poeta, dramaturgo, escultor, ceramista e cenógrafo. Mas o luthier de Tatuí conheceu a papietagem por causa de outro cenógrafo: Jaime Pinheiro, que trabalha no Conservatório de Tatuí. Por causa desta afinidade, além da luteria, Henrique matriculou-se no curso de cenografia e atualmente ainda é aluno de Jaime nesta área.
Depois de muitos meses de pesquisa e testes para a confecção das placas, em junho de 2015 Henrique começou a fabricar o seu tão sonhado violão – utilizado, agora sim, técnicas convencionais da luteria. Segundo ele, a busca pela sonoridade não foi a parte mais difícil. “É preciso saber como trabalhar o material e, isso sim, custou anos de pesquisa e testes, pois há pouquíssimo material publicado sobre o assunto”.
Henrique escolheu a pesquisa e a fabricação do violão de papel como tema de seu trabalho de conclusão de curso. Ele formou-se em luteria na solenidade do dia 26 de março. Nos primeiros meses de 2017, ele fez os últimos ajustes no instrumento. “Foi preciso fazer mais pesquisa”.
O único violão de papel do mundo
O violão confeccionado por Henrique Pinto tem laterais, fundo e tampo feitos com material de papietagem – outros componentes, como o braço, são de madeira convencional. Por esta característica, ele acredita ter fabricado um instrumento único no mundo. “Antonio de Torres, que é considerado o ‘pai do violão’, fez um instrumento parecido em 1862, mas ele utilizou uma técnica diferente”, comenta o luthier.
Agora Henrique Pinto trabalha para patentear o instrumento musical que inventou. No entanto, como é um processo difícil e caro, talvez não seja possível. Por outro lado, o construtor do violão de papel se mostra satisfeito com o trabalho realizado. “É um experimento que abre novas possibilidades. Estamos na era da sustentabilidade e o que procuramos foi fazer um instrumento mais barato, mas com boa qualidade. Como já falou Platão, a necessidade é a mãe da invenção”, comenta Henrique.
Instrumento é elogiado
O resultado do trabalho de Henrique Pinto impressionou o diretor executivo do Conservatório de Tatuí, Henrique Autran Dourado. “Acho que é impossível dizer de que é feito o instrumento, que não seja a madeira convencional. Tem a aparência de um daqueles espanhóis de uns 20, 30 anos atrás, e um grave possante. Merece todo apoio esse luthier!”, comentou o diretor.
O professor de violão Edson Lopes testou o violão de papel e fez diversos elogios: “Saiu um belo instrumento, muito bem acabado. Foi a primeira unidade que ele fez e a construção está muito bem feita. E o mais interessante é que, apesar de ser feito de papel, o violão tem um som satisfatório e um timbre bonito. E o Henrique ainda teve a habilidade de fazer um violão confortável. É uma experiência inédita e o Henrique está de parabéns”.