Com fotos performáticas, atriz seduz seguidores do Facebook e Instagram
por Ana Ferraz — publicado 28/04/2016 03h21
Facebook/ Reprodução
Adoro o retorno, dou muita risada. O Facebook é um jogo, uma linguagem - Vera Hultz
Vera Holtz surge emoldurada por um ovo translúcido. Ela é o ovo. Na segunda foto, no lugar do rosto, diversos ovos de chocolate. Na terceira, o caos. No retrato da compulsão, mãos, rosto e cabelos lambuzados. Na quarta, o monstro da gula. Quem se expõe à apreciação pública é um ser disforme, cabeleira desgrenhada, língua de fora, expressão assustadora.
Cerca de 36,5 mil visitantes compartilharam as fotos da série alusiva à Páscoa publicadas no Facebook. Até muito recentemente, a atriz nem sabia da existência de uma página de fãs na rede social. “Minha fanpage inventou meu Facebook.” Estimulada por amigos, decidiu usar essa mídia como suporte de criação. Como se fosse um álbum de antigamente, mas de forma aberta. Quem quiser entra, observa, comenta, compartilha.
Quando comecei a participar no Face e Insta, postei imagens de outros tempos e não gostei
“Sempre fui resistente a esse universo. Não gosto nem de porta-retrato em casa. Minha memória é recente, não tenho memória antiga. Quando comecei a participar desse negócio de Face e Instagram, postei imagens de outros tempos e não gostei. Eu vivo daqui para a frente. Nem sou mais aquela pessoa. Relembrar para mim não existe. Apaguei tudo, quero criar novas memórias para me levar aos 80, 90 anos, seja lá que idade for.”
Numa brincadeira, um amigo pendurou um saco plástico de compras no coque de Vera. Acendeu a ideia. “Gosto do lúdico, espontâneo, usar o acaso do dia a dia para estabelecer uma comunicação imediata. A imagem tem de comunicar e ser uma essência.” Da observação das ruas veio a inspiração. “Por que tanta gente está usando coque? Na festa de uma sobrinha-neta, minha prima Celia Holtz pendurou um balão de ar no meu coque. Começou desse modo uma série espontânea.”
Daí brotou Hitcoque, um pássaro pousado na cabeça em homenagem ao cineasta. Outras vieram. Um carregador de celular no penteado, uma coroa dourada, uma vela acesa alusiva ao aniversário de 63 anos espetada no birote, uma baguete atravessada no tufo de cabelo.
A formação em artes plásticas ajuda na formatação das ideias. “Minha leitura é visual, intuitiva, emocional. É assim que discuto questões e transformo o dia a dia em ideias elaboradas. Gostaria que meus amigos soubessem que brinco com eles de alguma forma. Adoro o retorno, dou muita risada. Aos poucos fui entendendo o grafismo do Facebook, é uma linguagem. É um jogo. Quando o internauta faz um comentário na minha página, me convida a conhecê-lo.”
A foliã acabada, maquiagem borrada, olhar perdido de cansaço, busca amparo num grande copo com chá de boldo.
A “mãe do lixão”, como até hoje alguns fãs ainda se referem à atriz, em referência a seu papel em Avenida Brasil, de 2012, diverte-se com o jogo virtual. Uma hora amarra a língua com barbante, em outra lacra os lábios com um fio de plástico amarelo. Para refrescar as ideias, aparece de pescoço para cima numa bacia de gelo. De fazer inveja a São João Batista. A legenda informa: reflexão em tempos desleais.
As séries são ansiosamente aguardadas. “A do Natal foi um sucesso. A do chá de boldo também.” Nos festejos natalinos, enrolou-se em estola de pinheiro falso salpicado de neve, fez brincos de duas bolas vermelhas metálicas e a estrela dourada da ponteira encontrou um ninho prateado no topo do cabelo preso: 114 mil curtiram, 19.258 compartilharam. Isso só no Face.
As fotos do natal foram um sucesso, 114 mil curtiram, 19.258 compartilharam. Isso só no Face
Os saracoteantes festejos de Momo renderam 11 postagens. A foliã acabada, maquiagem borrada, olhar perdido de cansaço, busca amparo num grande copo com chá de boldo. Aos poucos, a beberagem cumpre seu papel regenerador, até que a carnavalesca surge recuperada, o redentor maço da folhagem nas mãos.
Nem sempre as reações são elogiosas. Uns se encantam, prometem segui-la até o fim do mundo. Outros estranham, desconfiam de sua sanidade mental, sentem-se ofendidos, ofendem a atriz. “Milhões e bilhões de anos que o planeta existe e eu estou vivo no mesmo tempo relativo que você pra presenciar isso! Obrigado!”, exulta um internauta. “Vera, você é criativa, inteligente, precisamos de pessoas assim. Parabéns”, elogia outro. “Louca, diva”, reage um terceiro. Em maiúsculas, que equivale a gritar, uma seguidora estrila diante do grand finale pantagruélico da Páscoa: “Você não precisa disso pra aparecer. O seu trabalho é maravilhoso, deixe essas gracinhas horrorosas para quem não tem talento”.
Para refrescar as ideias, Vera aparece de pescoço para cima
“Não julgo. O mundo fica mais sensível quando você aceita a multiplicidade. Minha matéria-prima é a natureza humana. Ou eu encontrei minha turma ou eles me encontraram.” Lambuzar-se de chocolate foi uma viagem. “Eu parecia criança. Me deu muito retorno, isso é uma performance”, explica a atriz, que nem chocólatra é. “Minha compulsão é por bala de leite.”
*Reportagem publicada originalmente na edição 896 de CartaCapital, com o título "Diva louca"