Deise Voigt
Do G1 Itapetininga e Região
Meninos com idades entre 6 e 12 anos fundam grupo de catira para manter tradições rurais.
(Foto: Manuel Voigt / Divulgação)
“Videogame? Até já joguei. Mas eu prefiro mesmo é andar a cavalo.” Aos 13 anos de idade o estudante João Vitor Pires dos Santos mora num bairro rural de Tatuí. Diferentemente dos outros meninos da idade dele, ele prefere se divertir longe dos eletrônicos e da tecnologia.
Ele, que mora no bairro Congonhal de Baixo, diz que prefere preencher o tempo livre com atividades nem tão conhecidas por crianças da idade dele. “Eu gosto de tradição rural, porque acho muito 'da hora'. Quando não estou na escola ou estudando, gosto de andar a cavalo (o nome da minha égua é Princesa), cuidar da criação e olhar minha irmãzinha”, disse ele.
O gosto de Santos foi estimulado há cerca e seis meses, quando um grupo infantil de dançarinos de catira foi fundado no bairro.
À época, o construtor Adilson Idro Oliveira, que é ligado à manutenção das tradições, foi procurado por um grupo de 15 meninos com idades entre seis e 12 anos. Liderados pelo filho de Oliveira, os meninos pediam instruções para começar a praticar a catira.
A catira – ou cateretê – é uma dança do folclore brasileiro na qual o ritmo musical é marcado pela batida dos pés e mãos dos dançarinos. Originada a partir de influências indígenas, africanas e europeias, a catira tem coreografia executada na maioria das vezes por homens (boiadeiros e lavradores) e pode ser formada por seis a dez componentes e mais uma dupla de violeiros, que tocam e cantam a moda.
A catira exige que, em roda, meninos acompanhem ritmo com mãos e pés.
(Foto: Manuel Voigt / Divulgação)
“Meu filho toca viola e gosta muito dessa tradição. Me surpreendi com a iniciativa e aceitei liderar o grupo como forma de incentivar a criançada do bairro. Nos inspiramos nos mais velhos, que já dançaram, pesquisamos na internet e fui passando para eles”, disse Oliveira.
A tradição da catira já existia há pelo menos três décadas no local. Com o tempo, a dança praticamente foi extinta no bairro. A exceção são dois antigos moradores, que compartilham o conhecimento quando são procurados.
Os ensaios são semanais e acontecem sempre às quartas-feiras, entre 19h30 e 21h30. Além da catira, Oliveira empenha-se em ensinar às crianças mais sobre a tradição cultural caipira. “Já pesquisamos sobre a comida dos tropeiros e sobre a rota percorrida por eles. Também já lemos sobre os animais que utilizavam e instrumentos que tocavam. Nos ensaios, aprendemos tudo sobre o campo”, comentou.
Oliveira e a esposa são incentivados pelo próprio filho a continuar com o grupo. “Comecei a gostar de viola com cinco anos de idade. Me apaixonei pela Recomenda das Almas (tradição mantida durante o período da Quaresma) e conheci a catira quando já tinha sete anos”, inicia José Rafael de Oliveira, do alto de sua experiência de 11 anos de idade.
Até fundar seu próprio grupo, o menino passou por maus bocados. Não foi fácil encontrar alguém que conhecesse a tradição e que estivesse disposto a ensinar a criançada. “Só encontrei um grupo quando eu tinha nove anos. Participei de um ensaio, mas o grupo parou porque o líder estava doente. Falei com um outro senhor, que também não podia ensinar a gente a tocar viola e a dançar”, comentou.
O problema foi resolvido de maneira familiar. Aos dez anos de idade, o menino já sabia tocar viola e resolveu montar o grupo ele mesmo. Reuniu os meninos, pediu ao pai para ser o líder o pronto.
“Resolvi eu mesmo ser o violeiro para os meninos poderem dançar. Agora, também colocamos berrante. Nosso está praticamente completo”, diz ele.
Em apresentações, meninos também falam sobre tradições rurais. (Foto: Manuel Voigt / Divulgação)
Os meninos do grupo de catira desenvolveram uniforme próprio e já realizam apresentações. De bota, jeans e chapéu, eles percorrem cidades diferentes mostrando no palco a tradição que adotaram como estilo de vida.
“Me visto assim normalmente. Eu vou pra escola vestido assim: de calça jeans e botina. Só não uso o chapéu no dia a dia porque, aí, já seria demais. Na escola, meus amigos gostam de outras coisas, mas eu gosto do que é caipira. Porque é muito bonito. Gosto da queima do alho, do feijão tropeiro. Sou apaixonado pela tradição”, comentou Oliveira.
O que ele vai ser quando crescer? “Violeiro, claro”. Ou alguém tinha alguma dúvida?
Apresentações
A experiência do grupo de catira dos meninos do Congonhal de Baixo tem dado tão certo que eles já estão organizando uma extensa agenda de apresentações. Nos últimos seis meses já participaram de cerca de 20 eventos diferentes, geralmente aos finais de semana, pelas cidades da região.
Segundo o líder Oliveira, a aceitação tem sido boa, mas a recompensa é o contato com as crianças. “Estou orgulhoso. Eles são todos como meus filhos”, disse.
Entre os meninos, a sensação de ser reconhecido por algo de que gostam de fazer também é grande. “Eu gosto quando batem palma após a dança. Me dá muita emoção porque a gente só é reconhecido com isso. Só batem palma quando a gente dança”, disse Santos.
A dança
Bota faz parte do visual do grupo de catira: "eu me visto assim para ir à escola", diz integrante.
(Foto: Manuel Voigt / Divulgação)
A catira é uma dança típica do interior do Brasil, principalmente na área de influência da cultura caipira (Mato Grosso, norte do Paraná, Minas Gerais, Goiás, interior de São Paulo e Mato Grosso do Sul).
A coreografia da catira, apesar de parecer semelhante, varia bastante em determinados aspectos, havendo diferenças de uma região para outra. Normalmente, é apresentada com dois violeiros e dez dançadores.
A dança foi incurtida no caminho das bandeiras, pois era praticada pelo peões dos Bandeirantes e, assim, foi sendo defendida pelos peões por onde eles acampavam.
Diversos autores, entre eles Mario de Andrade, contam que a catira no Brasil se originou entre os índios e que o Padre José de Anchieta, entre os anos de 1563 e 1597, a incluiu nas festas de São Gonçalo, de São João e de Nossa Senhora da Conceição, da qual era devoto. Ele teria composto versos em ritmo de catira para catequizar índios e caboclos e a considerada própria para tais festejos, já que era dançada somente por homens.
Há, porém, os que dizem que ela veio da Oceania junto com os australianos e outros acham que é de origem alemã. O certo é que ela adquiriu características desses três grupos citados, podendo até ter recebido influências de outros povos que para o Brasil imigraram.
Meninos reúnem-se semanalmente para pesquisa sobre tradições e ensaiar a dança.
(Foto: Manuel Voigt / Divulgação)