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O Estado de S.Paulo
Tive oportunidade de ficar três dias da semana passada no Rio de Janeiro. Trabalhei, mas também fiz turismo. Levei Samuel, meu filho caçula, de 7 anos, comigo. Fomos de avião. Desembarcamos no aeroporto Santos Dumont. Continua lindo. Ainda é um dos mais charmosos do mundo. Mas cá entre nós, poder-se-ia acabar a reforma.
Se dependesse de mim, não teriam feito os chamados "fingers", aquelas escadas cobertas em formato de "Z" que ligam a saída da aeronave à entrada do terminal. O Santos Dumont é um dos pontos de pouso onde é melhor sair na pista mesmo. Bate logo na cara aquele ar pesado, tropical, de calor e humanidade, a vista do Pão de Açúcar, a Baía de Guanabara, o cheiro do combustível de aviação. Lembro-me da primeira vez que desembarquei no pequeno e charmoso aeroporto, gringo de tudo, aos 17 anos, em 1976, do voo que me trouxe da Califórnia, via Nova York. Não desconfiava de como aquela viagem mudaria minha vida.
Pegamos um táxi em frente do aeroporto. O momento do encontro com o motorista é sempre forte no Rio. São diferentes de nós. Aprendemos com eles. Assisti certa vez a uma apresentação do cartunista carioca Allan Sieber em que disse acreditar na sobrevivência às crises climáticas de apenas duas espécies: as baratas e os motoristas de táxi do Rio. Havia na observação uma crítica, mas também uma dose de admiração.
O nosso taxista era simpático. Ao pedirmos para ir ao Arpoador, onde fica o hotel, ele descreveu os pontos fortes do bairro. Disse que ali se reuniam todos os dias, nas pedras e na praia, centenas de pessoas para aplaudir o pôr do sol. Fique ressabiado, confesso. Poderia ser uma brincadeira elaborada para gringos e turistas. Aplaudir o pôr de sol? Será? Quando contei a história, depois, para o escritor e amigo meu Reinaldo Moraes, autor do já lendário romance Pornopopéia - e paulistano até a raiz dos cabelos -, ele me perguntou: "E se chover, eles vaiam?"
No dia seguinte, domingo, com o sol ainda longe de se pôr, fomos conferir. Minha mulher Luli, eu e o Samuel. A muvuca era grande. As pessoas se moviam por todos os lados, do parque Garota de Ipanema à calçada, descendo as escadarias até a areia, ao mar e subindo as trilhas para o topo das pedras. O movimento lembrava um pouco o de um grupo grande de caranguejos. As crianças, lindinhas todas, tomavam banho debaixo de um chuveiro que brotava da areia, adornado com um enorme - e feio - urubu confeccionado de plástico. Demorei um pouco para entender que o enfeite era uma manifestação de territorialidade dos flamenguistas. A 30 metros dali havia, também fincada na areia da praia, uma bandeira do Botafogo. As duas torcidas pareciam conviver em paz.
Não sei bem como, mas ali sabiam todos que sou gringo de origem - mesmo sem conhecer o meu sotaque de Tatuí, no interior paulista. Ofereciam-me diversos tipos de produtos. Cocadas cobertas com doses fartas de leite condensado extraído de recipientes destinados originalmente a ketchup. Pipoca. Amendoim. Algodão-doce. O vendedor de cuscuz me seguiu, repetindo em um inglês insistente: "promotion, promotion" - que deduzi significar "promoção" ou, como se diz na Rua Oscar Freire, "sale". Quando recusei a oferta, ele me sacaneou, garantindo que o produto era "laite".
Seguimos até as pedras do Arpoador. Delas a vista é, de fato, emocionante. Toda a Praia de Ipanema, de um lado, lotada de gente. Do outro, a bonita Prainha do Diabo, o Forte de Copacabana, o mar aberto. Circulamos entre centenas de pessoas. Minha mulher Luli comprou um pacote de biscoitos Globo para o Samuel. E quando o sol se pôs atrás do Morro do Vidigal, todos ali aplaudiram. O ritual é esse mesmo. O taxista tinha razão.
Nesse momento meio místico, lembrei-me com saudades do meu guru, o historiador Richard M. Morse, autor de O Espelho de Próspero. Dizia ele que uma das características interessantes da cultura brasileira era sua preservação de um "encanto" com o mundo. Morse utilizava o termo no sentido que lhe deu o sociólogo alemão Max Weber, em seu livro clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Segundo Weber escreve nas páginas pessimistas e finais do livro, a racionalidade imposta pelo capitalismo na sua vertente calvinista (puritana) traz um "desencanto" que apaga o encanto original com a vida. Tudo é explicado de modo utilitário. Perde-se, com isso, a magia da existência.
Mas ali, nas pedras do Arpoador, os cariocas aplaudem todos os dias o pôr do sol. Apesar de toda a modernidade, eles fazem questão de criar e manter um ritual primitivo. Se há, ali, desencanto, está escondido. Doctor Morse teria gostado de ver.