POR JOSÉ ORTIZ CAMARGO NETO *
Do jornal O Progresso de Tatuí, edição de 28.11.2010
Por que no mundo inteiro há tantos símbolos religiosos nas praças, ruas, repartições públicas? Posso citar França, Itália, Portugal, Espanha, Alemanha, a própria Rússia, pós-comunismo... A resposta é simples e clara: porque tudo isso faz parte de nossa história, de nossa tradição, de nossa arte, de nossa formação espiritual, de nossa cultura. E aquilo que vem de séculos não pode ser mudado por decreto, projeto-lei ou ordem de comandante de bombeiros.
Veja a história de Tatuí, terra do citado comandante, que mandou retirar de sua corporação crucifixos e outros símbolos da espiritualidade cristã: “Em 1680, Paschoal Moreira Cabral e seu irmão, acompanharam Frei Pedro de Souza nas explorações do Morro Araçoiaba. As pessoas que não eram ali empregadas agregaram-se aos primeiros povoadores de Tatuhú, onde construíram uma capela com o nome de São João do Benfica, que alcançou o título de Paróquia em 1818. O patrimônio da atual cidade de Tatuí foi desmembrado da sesmaria concedida aos Frades do Convento de Itu. “
Como se vê, Tatuí nasceu do trabalho do povo com os frades franciscanos, assim como São Paulo nasceu dos jesuítas Nóbrega e Anchieta, que também fundaram Santos, São Bernardo do Campo etc. E não podemos esquecer que quem descobriu o Brasil foi a Ordem de Cristo, criada pelos reis-cristãos templários portugueses D. Dinis e Rainha Santa Isabel.
Nada mais natural, portanto, que na marcha da história tenham se incorporado ao país nascente (Terra da Santa Cruz) em todas as partes, monumentos, marcos arquitetônicos, peças de arte, objetos de devoção, imagens religiosas, pinturas, esculturas, crucifixos, que já existiam havia mais de mil anos na Europa. Esse amálgama constitui uma espiritualidade típica do Brasil. Retirá-los agora, seria mutilar nossa própria índole nacional.
O que fazer com os símbolos sagrados de devoção do povo tatuiense, do povo paulista, do povo brasileiro? A resposta é simples: nada. O que fazer não é nem da conta nem da “responsabilidade” do atual governo. São parte integrante da nacionalidade e por isso não são para ser mexidos. Foram semeados com ardor e entusiasmo, muitas vezes com sangue, suor e lágrimas pelo povo e pelos religiosos que erigiram nossa história e devem continuar onde estão.
Algumas pessoas, como o comandante José Natalino, pensam que o Estado, por ser laico, deveria destruir nossa história. Retirar todos os símbolos de nossa evolução da nacionalidade, todas as marcas de nossa identidade como povo e nação. Ao contrário, o Estado mais que direito, tem o dever de zelar pelas nossas tradições históricas, artísticas, religiosas e culturais. Ele tem de manter vivo aquilo que a história pôs e dispôs.
Por 400 anos (de 1500 a 1889) os reis cristãos-templários portugueses povoaram o Brasil de Igrejas, símbolos e imagens religiosas, que estão aí há séculos. Veio a República, ferozmente antimonárquica e anticlerical, mas, cônscia do valor da tradição nacional, preservou em nossos logradouros e repartições públicas, de 1889 até hoje, os símbolos sagrados de nossa nacionalidade, como os crucifixos e imagens de santos, que contam muito da nossa formação nacional. Que aliás são seu fundamento, como diz o escritor-símbolo de Tatuí, Paulo Setúbal:
“Pois é bom que saibais, pois é bom que o apregoemos alto e claro: o Brasil nasceu da fé. A fé, meus senhores, foi a alavanca suprema para a formação da nacionalidade brasileira”, declarou em seu discurso “A Fé na Formação da Nacionalidade”, quando paraninfou, em 1926 a turma de bacharéis do Ginásio do Carmo.
“Para mim, filho espiritual desta casa”, disse ele, “não podia haver júbilo maior do que este: paraninfar, como hoje paraninfo, uma turma do Ginásio do Carmo. Um dia, também como vós, parti desta casa; e parti com a mesma quentura na alma, com os mesmos clarões, com a mesma febre, com os mesmos ideais... conservai dentro do coração, conservai bem límpida e bem pura, bem fresca e bem casta, bem nova e bem crepitante, a fé que aprendestes nesta casa.”
Mais à frente declarou: “E nós, meus Senhores, nós, os paulistas, nós que nos orgulhamos da soberbia do nosso Estado, da magnificência desta nossa cidade que fura os céus com a pua audaciosa das chaminés, nós não podemos nos esquecer jamais que tudo isto medrou à sombra da Cruz. Que tudo isto, hoje tão formidavelmente grande, veio de um grãozinho de areia, de uma obra de boa vontade, lançada nos campos de Piratininga por um padre visionário. Nós devemos o que somos à obra evangélica de Anchieta. Nós devemos tudo àquele moço pálido, àquele poeta, àquele sonhador: foi ele que aqui ergueu, com a Cruz, a cidade-maravilha. E nós, os paulistas, crescemos à sombra da Cruz, meus senhores! Nós crescemos à sombra da Fé! Como não havemos de continuar à sombra dela? Como não havemos de continuar a entretecer os laços que formaram a nacionalidade?”
O famoso escritor e poeta tatuiano, estava percebendo com clareza o entrelaçamento indefectível entre fé, tradição, história e senso de nacionalidade.
Portanto, um ato isolado, arbitrário e inconsequente de mandar retirar os símbolos sagrados de nossa identidade histórico-cultural-religiosa é não somente um atentado à fé de milhões de pessoas e ao convívio harmonioso das religiões em nosso país, mas também uma violência contra as tradições histórico-artístico-culturais mais caras ao nosso povo brasileiro.
* José Ortiz Camargo Neto é jornalista e escritor