Do Blog LAGES HISTÓRICA, 20 de Outubro de 2007
Advogado, jornalista, ensaísta, poeta, político, membro da Academia Brasileira de Letras e um dos mais importantes romancistas da história da literatura brasileira. Foi ainda membro da Academia Paulista de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do Instituto Histórico e Geográfico de Ouro Preto e Instituto Histórico e Arqueológico de Pernambuco.
Qual a ligação deste ilustre paulista, com a História e a cultura lageana?
Nascido aos 10/01/1893, em Tatuí, SP, e órfão de pai aos quatro anos, estudou as primeiras letras em sua terra natal. Já adolescente, segue para a capital paulista onde cursando Humanidades no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, desperta-lhe o interesse pela literatura e pela filosofia. Ainda em São Paulo, cursando o segundo ano da faculdade Direito, inicia sua carreira jornalística no diário “A Tarde”, primeiro como revisor, depois redator e por fim como poeta destacado. Nesta época foi acometido de tuberculose e se recolhe, por algum tempo, na serra paulista (Tatuí e Campos do Jordão) buscando recuperação de sua saúde, retornando então a São Paulo onde conclui bacharelado em Direito em 1914. Advogado, exerceu o cargo de Promotor Público da capital paulista, período durante o qual colaborou para quase todos os jornais e revistas brasileiras da época.
Em 1918, já atuando como bem sucedido advogado em São Paulo, foi Paulo Setúbal uma das primeiras vítimas do surto de gripe pneumônica que irrompia por todo o país e conhecida com o nome de “espanhola”. O estado de saúde de Paulo Setúbal chegou então a ser desesperador, tendo estado por vários dias entre a vida e a morte. Jovem ainda, seu organismo reagiu ao quadro mais grave, mas foi proibido pelo seu médico de permanecer em São Paulo. Era necessário novamente deixar a agitada vida citadina e buscar repouso e recuperação em campos serranos.
Mas desta vez são “as virtudes tonificantes dos ares lageanos” que surgem como melhor alternativa para Paulo Setúbal, a partir do convite feito por seu irmão mais velho, João Batista Setúbal, então residente em Lages. João Batista era proprietário do “Armazém Paulista” e casado com uma filha do estancieiro João Severiano Waltrick.
Inicialmente apreensivo com o necessário afastamento de um grande centro urbano e com o futuro convívio com a cultura de uma “pequena cidade” ou de “um desses lugarejos campôneos”, já no caminho de chegada o espírito sensível de Setúbal deixa-se cativar e surpreender pelas “deliciosas serras” do planalto catarinense. Ao final do ultimo dia de viagem, já nos campos de Lages assim deixou registrado em sua memórias a sua chegada:
"E súbito, ao pôr do sol, na cinza violácea do crepúsculo, na última lomba, que se erguia como último elo, distende-se ante nós, com suas umbrelas altas, com seus velhos troncos, nodosos e patriarcais, o mais belo, o mais suntuoso, o mais admirável bosque de pinheiros que já me foi dado contemplar!
Tão poético, tão lindo, que eu, chafurdado no automóvel, os olhos escancarados, a boca aberta, só podia lançar ao meu vizinho as exclamações do Jacinto, no burro do Sancho, subindo a estrada de Tormes:
Que beleza! Que beleza!"
Pouco tempo após Paulo Setúbal já escreve sobre a surpresa que viveu ao chegar em Lages, antevendo o que hoje se concretiza: Lages, como a capital nacional do Turismo Rural:
"Cidade pequena, é certo, mas graciosa, pitorescamente aninhada num espigão de morro, com gentes boas e acolhedoras, e sobretudo, novidade saborosa para quem vinha do sul, com as suas grandes estâncias de gado, e sua vida gauchesca tão colorida e típica, que é um dos encantos do Brasil rural."
Reconhece Nereu Corrêa que, em suas memórias, Setúbal “não poupa elogios à hospitalidade e aos foros de civilidade da família lageana”, como se pode ver nas seguintes palavras:
"Em bem poucos lugares do Brasil – di-lo no mesmo artigo-, haverá outra terra igual, com outra mocidade tão disposta, e outra sociedade tão garbosa e alegre como a sociedade de Lages (...)."
Em Lages encontrou recuperação da ”gripe espanhola”, atuou como advogado e participou ativamente da vida social e dos movimentos culturais locais, tendo colaborado por diversas vezes com artigos e poesias publicados nos jornais da época: O Planalto e o Lageano. Registre-se, como bem observado por Nereu Corrêa, o mérito de nossa imprensa local, em reconhecer e prestigiar o talento de Paulo Setúbal, antes mesmo de sua cidade natal e da sua imortalização na Academia Brasileira de Letras.
E foi justamente durante sua permanência em Lages que Paulo Setúbal inicia sua principal fase de produção literária. Aqui revisou parte de o seu livro de estréia “Alma Cabocla”, iniciado em Tatuí e complementado no período que compreende sua estadia em Lages e seu retorno a São Paulo. Não bastasse toda a consideração com nossa terra e nossa gente, registrada em seus artigos, correspondências e em suas memórias, Paulo Setúbal também os imortaliza na literatura nacional, contemplados que estão na influência da redação de parte dos versos que compõe “Alma Cabocla”, publicado em 1920 pela “Revista do Brasil”:
O meritório e dedicado trabalho do Sr. Danilo Thiago de Castro, preservando os jornais de Lages da época, propiciaram a Nereu Corrêa, reconstituír em detalhado e primoroso estudo a História da permanência e da atuação literária de Paulo Setúbal em Lages, publicado em 1978 sob o título “Paulo Setúbal em Santa Catarina”, leitura obrigatória para todos os interessados por literatura brasileira ou pela História de Lages. Além do material pesquisado no acervo do Museu Thiago de Castro (que até hoje mantém importantes manuscritos de Paulo Setúbal daquela época) em sua obra Nereu Corrêa cita as passagens referentes a Lages contidas em “Confiteor”, memórias redigida por Paulo Setúbal em 1937, e ainda, preciosas informações coletadas em entrevistas prestadas por contemporâneos de Paulo Setúbal em Lages tais como os srs. Almiro Lustosa Teixeira Freitas e Salustiano Ramos.
Em Lages, bem sucedido como advogado, e iniciando sua rica tragetória literária, Setúbal levava, paralelamente, uma vida pouco regrada de solteiro, às voltas com mulheres e com o jogo, da qual logo se cansou, tendo retornado para São Paulo, se reestabelecendo como advogado, casando e dando prosseguimento ao trabalho literário. Chegou a ser eleito deputado estadual (1928 / 1930), renunciando ao mandato por problemas de saúde (tuberculose). Assim resume sua recuperação à época:
"(...) e fui encontrar, nesses desvão de serras, essa encantadora Lages, com seu sossego eterno, com sua remansada paz, onde refiz a alma, retemperei o espírito, e remendei um pouco a minha pobre saúde tão esburacada pela gripe. E lembro-me de tudo."
Mestre que era em romancear fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à leitura, Paulo Setúbal alcançou o mérito de ter sido um dos escritores mais lido do país e chega ao apogeu ao ser eleito para a cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras em 06/12/1934, sucedendo a João Ribeiro, cadeira para a qual foi recebido em 27 de julho de 1935. Dentre as obras de Paulo Setúbal destacam-se: Alma Cabocla, poesia (1920); A Marquesa de Santos, romance-histórico (1925); O Príncipe de Nassau, romance histórico (1926); As Maluquices do Imperador, contos-históricos (1927); Nos Bastidores da História, contos (1928); O Ouro de Cuiabá, história (1933); Os Irmãos Leme, romance (1933); El-dorado, história (1934) e O Romance da Prata, história (1935). A Fé na Formação da Nacionalidade, ensaio (1936) e Confíteor, memórias que ficaram inacabadas (1937).Paulo Setúbal faleceu em São Paulo, SP. no dia 04 de maio de 1937.
Sobre Lages, em especial, ainda deixa Paulo Setúbal registrado um sentimento certamente compartilhado por muitos lageanos e visitantes:
"... Mas o fato é que sempre me acodiu à lembrança com muitas e largas saudades, as mais fundas recordações desta boa cidade e desta boa gente. Lages foi o oásis da minha vida (...)."
Postado por Tânia Arruda Kotchergenko, Sábado, Outubro 20, 2007
Marcadores: Paulo Setúbal
3 comentários:
Köhler disse...
Olá Tânia,
Excelente artigo.
É a história de Lages sendo contada por você. Continue.
Do ponto de vista familiar, vi-me (e Nilse) no contexto do artigo de Paulo Setúbal, pois o irmão deste, João Batista Setúbal, era casado com "a filha do estancieiro João Severiano Waltrick", por sinal, pai de Luiz de Oliveira Waltrick, avô de minha mulher Nilse (filha de Nery Waltrick). Isto considerado, a esposa de João Batista Setúbal (e cunhada de Paulo Setúbal) era irmã de Luiz de Oliveira Waltrick, sendo tia-avó de Nilse.
Interessante, vimo-nos inseridos no contexto da história de Paulo Setúbal.
Um grande abraço curitibano a você,
Gerson e Nilse (Waltrick) Köhler
em 20.10.07 - Curitiba/PR
20 de outubro de 2007 21:32
Guilherme Floriani disse...
Querida Tânia,
Muito bom artigo, melhor ainda a iniciativa. A história de Lages merece ser reencontrata. É interessante como alguém quase de fora observou e vivenciou Lages no início do século. Encontrei nos jornais da época alguns comentários hilários sobre a pecuária e economia, que denotam como era a prática, e a crítica política da época.
Muito melhor ainda nas linhas tão bem escritas. Por isto, parabéns triplo.
22 de outubro de 2007 10:36
Roberto disse...
Parabéns Tânia por sua excelente apresentação.
Roberto Sandoval
7 de maio de 2009 22:03