DA ÁFRICA AMIGA
Da África amiga, eu era a alma.
Do chão da pátria, o senhor.
Nos meus braços estavam
as esperanças de minha terra
e a certeza de minha raça.
Mas, da maldade, fui presa.
De brutalidades, a vítima.
- De meu povo fui sequestrado.
Do navio imundo, fui o lastro.
Dos cruéis, mercadoria, moeda maldita.
Enterraram viva a minha consciência.
Enterraram viva a minha fé.
Enterraram vivo o meu destino.
Viva, enterraram a minha liberdade.
O fruto do meu trabalho
era doce na boca do meu senhor,
mas amargo no meu coração.
- Para mim, não era a estação dos frutos.
Princesa Isabel...
Liberdade me deram para sofrer.
Liberdade me deram para morrer.
Liberdade me deram para não ser
cidadão, proprietário, semelhante.
Fui vender doces, fazer balaios
ou me empregar na fazenda dos cruéis,
para não morrer de fome;
para não roubar, se possível.
Do Brasil fui a ralé.
Deste chão, erva maldita.
Não me aceitou gente de bem,
como se eu fosse o bandido da história.
Da chibata, desci à sepultura,
mas revivi no sangue de meus filhos.
E hoje caminho no porão imundo
do grande navio social.
Não sou escravo, sou escória.
Não sou sujeito, sou suspeito.
Navegando...na calmaria.
Lançado ao mar... na tempestade humana
que não procurei.
(1988, Tatuí)
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