sábado, 15 de junho de 2024

Prefeito e ex-secretários de Sorocaba são investigados em contratos que somam mais de R$ 100 milhões

MP-SP investiga fraude na contratação de uma organização social (OS) para a administração de duas unidade de saúde da cidade.

Por Marcel Scinocca, Wilson Gonçalves Jr, Victor Cardoso, Rodrigo Santos, Fábio Modesto, g1 Sorocaba e Jundiaí e TV TEM

Rodrigo Manga, prefeito de Sorocaba (SP), e dois de seus ex-secretários são investigados pelo MP em contratos da saúde — Foto: Reprodução TV TEM e Redes sociais


13/06/2024 |  O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) investiga o prefeito de Sorocaba (SP), Rodrigo Manga (Republicanos), e dois ex-secretários municipais por suspeita de fraude na contratação de uma organização social (OS) para a administração de duas unidade de saúde da cidade.

Vinicius Rodrigues, secretário de Saúde até março de 2022, e Fausto Bossolo, então secretário de Administração e de Governo até agosto de 2022, também são alvos da investigação do MP.

A investigação apura contratos para gerenciamento da Unidade de Pronto Atendimento do Éden (UPA), já encerrado, e para administração da Unidade Pré-Hospitalar da zona oeste (UPH Oeste), ainda em vigor. A terceirização das unidades custou, até o momento, cerca de R$ 100 milhões aos cofres públicos.

O g1 e a TV TEM conseguiram acesso, com exclusividade, a documentos de uma investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Rio Grande do Sul.

Os documentos trazem elementos, obtidos via interceptação telefônica e quebra de sigilo de mensagens, de que a relação entre os investigados e a OS começou antes mesmo da eleição de 2020 e teria sido realizada diretamente por Manga. Os documentos já estão com promotores de Sorocaba.

Linha do tempo

No dia 13 de setembro de 2020, o partido Republicanos, ainda com a sigla de PRB, fez sua convenção municipal em um hotel de Sorocaba e oficializou Rodrigo Manga como candidato à prefeitura.

10 dias depois, em 23 de setembro, uma conversa entre integrantes da OS Aceni cita a candidatura e demonstra o desejo de apoiar financeiramente a campanha de Manga.

Os diálogos foram obtidos com exclusividade pela reportagem e fazem parte da Operação Copa Livre, realizada pelo Gaeco do RS em 2022, que tinha a empresa como um dos alvos. 

Leia abaixo:
Em conversa interceptada pelo Gaeco do Rio Grande do Sul, grupo que assinou contratos em Sorocaba (SP), após 2021, diz que na cidade precisa apoiar o cara do PRB — Foto: Reprodução


"Vamos decidir amanhã as cidades em que a gente vai, porque que estou te falando isso, o João marcou para segunda-feira no PRB, com o cara de Sorocaba, o cara de Sorocaba vai ganhar, é aquele cara que já esteve com a gente, todo mundo já me falou desse cara aí e o cara tá no PRB, o cara vai ganhar a eleição. O João já marcou no partido, inclusive, para tentar fazer até uma situação melhor pra nós, marcou para segunda-feira."

Em documento, Gaeco do Rio Grande Sul afirma que, provavelmente, contrato na UPA do Éden, em Sorocaba (SP), seria parte do acordo — Foto: Reprodução


Nove meses depois, com Rodrigo Manga já eleito prefeito, em junho de 2021, os integrantes da organização social trocam novas mensagens. O áudio cita que um dos membros da OS havia acabado de sair de uma reunião com o então secretário de Saúde de Sorocaba, o médico Vinícius Rodrigues.

Na conversa, o secretário teria afirmado que o Instituto Diretrizes teria perdido um serviço de saúde na cidade e desejava que a Aceni assumisse de forma emergencial. Há, ainda, nos documentos uma menção de valor: "o secretário já adiantara que ele estaria pensando em uns 20 por mês".

No caso, segundo a investigação, seriam R$ 20 mil por mês para fechar o contrato.

Gaeco do RS diz que ex-secretário de Sorocaba (SP) teria pedido R$ 20 mil por contrato — Foto: Reprodução


O diálogo da reunião ocorrida em Sorocaba continua e, em determinado momento, é informado que o prazo para entrega das propostas terminaria no dia seguinte, às 23h, e que Fausto Bossolo - se referindo ao ex-secretário de Administração de Sorocaba da época - iria ligar para eles até 22h, com a intenção de passar o valor para a Aceni ganhar.

Após o ocorrido, a Aceni venceu e assumiu dois serviços de saúde no município. Primeiro em 2021, na gestão emergencial da UPA do Éden, um contrato de seis meses de duração que já foi encerrado.

UPA do Éden fica na Rua Miguel José Gimenes e funciona 24 horas — Foto: Assis Cavalcante


Em março de 2022, a Aceni venceu o contrato da administração da UPH da zona oeste, antes administrada pelo Instituto Diretrizes. Este contrato ainda está em vigor.

Juntos, os dois contratos consumiram R$ 101 milhões dos cofres da Prefeitura de Sorocaba, sendo R$ 15 milhões na UPA do Éden e R$ 86 milhões na UPH zona oeste.

UPH da zona oeste de Sorocaba (SP) teve novo contrato assinado em 2022 — Foto: Reprodução/Google Street View


Operação Copa Livre

A Operação Copa Livre foi realizada no dia 31 de março de 2022. O Gaeco cumpriu 81 medidas cautelares contra 24 pessoas e 15 empresas no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O promotor responsável disse, na época, que havia um núcleo empresarial praticando fraudes em todo o Brasil na área da Saúde.

De acordo com o Gaeco, os investigados entregaram grande quantidade de dinheiro ilícito a vários candidatos nas eleições municipais de 2020, firmando acordos e compromissos, antes e depois das eleições, com a intenção de fechar futuros contratos fraudados na área de atuação da organização social Aceni e empresas parceiras. Um dos exemplos citados no documento é o de Sorocaba, sendo a troca de gestão da UPA do Éden.

O Gaeco do RS cita Sorocaba em sua investigação para evidenciar a prática de outros ilícitos e crimes no curso das eleições de 2020, por parte da organização social. De acordo com o MP gaúcho, os integrantes da Aceni entregaram grande quantidade de dinheiro ilícito para vários candidatos, com objetivo de obterem contratos fraudados após a eleição. A referência de Sorocaba é citada na página 173.

"No caso, estavam a falar do candidato conhecido como Rodrigo Manga, que, de fato, venceu a eleição e, agora, em julho de 2021, provavelmente cumprindo, portanto, o acordo criminoso feito com os investigados, contratou por seis meses a entidade Aceni, do investigado Paulinho, para administrar e gerir a UPA do Éden, na cidade, ao custo de R$ 2,4 milhões por mês."

Os documentos do Gaeco foram encaminhados ao promotor Eduardo Francisco Junior, em Sorocaba, e farão parte do inquérito para apurar possível improbidade administrativa na contratação da Aceni na cidade.

Outras duas investigações estão em andamento com a promotoria da área da Saúde e analisam os serviços prestados pela entidade em Sorocaba na UPA do Éden e na UPH da zona oeste.

O que dizem os investigados

A Prefeitura de Sorocaba e o prefeito Rodrigo Manga afirmaram, por meio de nota, que não são investigados nesse caso e não têm conhecimento do teor do processo.

"Aliás, o prefeito Rodrigo Manga nunca em sua história autorizou que alguém falasse em seu nome. Todos os processos e licitações sempre acontecem dentro das normas legais, com acompanhamento dos órgãos internos de controle e fiscalização da administração municipal de Sorocaba."

Os ex-secretários Fausto Bossolo e Vinícius Rodrigues não responderam aos questionamentos enviados pela reportagem.

A Aceni também foi questionada. Em nota, disse que tem conhecimento da investigação, tem prestado os esclarecimentos solicitados pelos órgãos e colaborado com as investigações. Disse também que não houve desvio de recursos públicos e que Paulo Sirqueira Korek Farias e Sylvio Mauro Pereira tiveram contratos suspensos com a instituição em maio de 2022.

Leia o posicionamento na íntegra:

O Instituto tem a esclarecer que vem atuando no segmento de gerenciamento e operacionalização de unidades de saúde pelo país desde o ano de 1997, sempre prezando pelos valores do SUS e da política de assistência social e em respeito aos princípios que regem a administração pública. Enfatizamos que faz parte da nossa política a defesa desses princípios como missão institucional e de completa intolerância com práticas imorais e ilegais.

Assim sendo, informamos que o Instituto tem conhecimento das referidas investigações e que tem prestado os esclarecimentos requeridos pelos órgãos e tem colaborado com as investigações. Informamos que assim que tivemos a notícia do possível envolvimento da empresa AP Consultoria em possíveis irregularidades, o Instituto rescindiu o contrato de prestação de serviços.

Enfatizamos que no longo curso de tempo das investigações não foi apontada qualquer responsabilização em face do IASE. Esclarecemos ainda que no curso das referidas investigações não foram apontados indícios de desvio de recursos públicos, bem como que à partir do momento em que o Instituto tomou conhecimento acerca das investigações rescindiu todos os contratos com a empresa alvo da investigação.

O posicionamento do Instituto é de respeito pelos órgãos responsáveis pela investigação e colaboração para que logo sejam arquivadas e restabelecida a verdade. Sobre as pessoas citadas (Paulo Sirqueira Korek Farias e Sylvio Mauro Pereira) informamos que o Instituto não possui relação profissional com ambos, pois, foram prestadores de serviço que tiveram seu contrato rescindido em 31/05/2022, após o início das investigações, porém, o jurídico de ambos foram informados acerca dos questionamentos para prestarem os devidos esclarecimentos.

MPF e TRF

O Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal Regional Federal, que fazem parte da quarta região (TRF4), que atende o sul do país, informaram que o caso tramita em segredo de Justiça e que não poderiam passar informações do andamento do processo.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul, que fez a Operação Copa Livre, também foi questionado sobre o andamento das investigações, mas não retornou.

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