quinta-feira, 6 de junho de 2024

Mais de 40% dos veículos que circulam em Sorocaba têm algum tipo de restrição ou bloqueio, diz Detran

Nos dados incluem os veículos 'só pra rodar', anunciados abaixo do preço e com diversas irregularidades.

Por Marcel Scinocca, Wilson Gonçalves Jr, Victor Cardoso, g1 Sorocaba e Jundiaí e TV TEM

Sorocaba tem cidade 536.548 veículos, segundo o Ministério dos Transportes — Foto: Erberson Ohama/TV TEM


06/06/2024 |  Ao menos 176.126 veículos, 43,6% da frota total, que circulam nas ruas de Sorocaba (SP) estão com algum tipo de pendência que leva à restrição ou bloqueio do automóvel. Os dados são de um levantamento feito pelo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran).

Conforme o levantamento, restrições financeiras são maioria e atingem 87.866 veículos registrados na cidade. Essa situação está relacionada aos financiamentos de longo prazo e, por isso, não necessariamente os veículos estão irregulares. Contudo, entre esses carros e motocicletas estão também os automóveis "só pra rodar", situação em que não há a continuidade de pagamentos.

O segundo maior número de registro relacionados às restrições são os comunicados de venda, que atingem 54.550 veículos. A rigor, isso não é um problema, já que o comércio automotivo de Sorocaba é um dos mais movimentados do estado. Ocorre que, entre esses comunicados de venda, estão aqueles processos que já ultrapassaram o limite legal para a transferência, incluindo os veículos "só pra rodar".

33.710 veículos possuem ocorrências de furto ou roubo. O número corresponde a mais de 5% da frota da cidade, que é de 536.548 veículos, segundo o Ministério dos Transportes.


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Bloqueios

A cidade também tem 15.009 veículos com o chamado bloqueio Restrições Judiciais Sobre Veículos Automotores (Renajud). É a restrição ou medida medida que serve para tornar efetivas as medidas judiciais na ação de busca e apreensão, além de permitir ao credor reaver o veículo.

O Renajud é um sistema on-line de restrição judicial de veículos que interliga o Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Além do bloqueio pelo Renajud, há também o bloqueio judicial, que mostra que o veículo é objeto de alguma ação na Justiça. Nesse caso, são 4.087 veículos nessa situação. Confira outros números de veículos bloqueados em Sorocaba:

Bloqueado por leilão: 25.936;
Bloqueado por ocorrência de sinistro: 1.381;
Dublê: 64;
Bloqueio Cadin: 9;
Bloqueado por ocorrência de óbito: 11.315;
Bloqueado por duplicidade de placa: 31;
Bloqueado por pagamento fraudulento: 20.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

No total, Sorocaba tem 57.862 veículos com bloqueio - mais de 10% do total da frota.

Segundo o Detran, os veículos postos à venda “só para rodar” muitas vezes não podem ser devidamente transferidos e, assim, circulam totalmente na ilegalidade. Caso a fiscalização flagre um veículo circulando nessas condições, ele será apreendido e a pessoa que pagou por ele pode não conseguir recuperá-lo.

"Recolhido, o veículo pode entrar em processo de leilão a partir de 30 dias depois da apreensão. Para regularizar o veículo, todos os débitos deverão ser pagos em sua totalidade, inclusive despesas referentes ao recolhimento, como guincho e estadia do carro no pátio."

Não é possível saber, ou mesmo estimar, o total de veículos com restrição ou bloqueio que são "só pra rodar" em Sorocaba.

"Só pra rodar"

Os veículos "só pra rodar", também conhecidos como "NPs", sigla para "ninguém paga", são comercializados de forma informal e ilegal em Sorocaba (SP). Entre abril e maio de 2024, a reportagem do g1 e da TV TEM percorreu vários bairros da cidade em busca desses veículos. E eles foram encontrados, assim como vítimas desse mercado paralelo.

Esses veículos custam até 80% abaixo do preço praticado no mercado. Quem procura este tipo de negociação sabe da procedência e dos riscos. Os anúncios são bem compreensíveis: "carro NP”, "só pra rodar” e “não compensa fazer o documento".

Para a Polícia Civil, quem compra este tipo de veículo tem interesse em não pagar impostos e, principalmente, infringir as leis de trânsito.

“Você tem os crimes de trânsito, todos os crimes envolvidos aí... Questão de trafegar em velocidade incompatível. Além das multas, você tem os crimes que podem decorrer disso, relacionados a fraude, estelionato, apropriação indébita”, comenta o delegado Acácio Aparecido Leite, responsável pelo 8º DP, na zona norte de Sorocaba.

Delegado Acácio Leite fala dos problemas de ter um carro "só pra rodar" — Foto: Fábio Modesto/TV TEM

“E mais do que isso, os nomes, a pessoa que se dispõe a colocar seu nome num procedimento desse, está se sujeitando a ser futuramente indiciada, responder processo criminal e, infelizmente, não tá nem um pouco preocupada com a situação porque certamente será, futuramente, indiciada e responderá processo por estar envolvida em toda essa situação”, alerta o delegado.

“É o que a gente chama de desprendimento pela lei, desprendimento pela vida humana. A partir do momento que você coloca um veículo desse em circulação é óbvio que não está preocupado com as eventuais infrações que vai fazer. Um sinal vermelho, excesso de velocidade pode gerar um acidente grave e até a morte de um pai de família, de uma mãe de família.”

Cinco veículos e 130 multas

Veículos "só pra rodar", negociados em Sorocaba (SP), têm diversos problemas, incluindo dezenas de multas — Foto: Reprodução/TV TEM

A reportagem simulou interesse em comprar cinco carros nessas condições. Juntos, eles somam mais de 130 multas, algumas gravíssimas, incluindo avanço de sinal vermelho e, principalmente, excesso de velocidade. Um dos veículos é um Prisma, ano 2009, oferecido por R$ 5,5 mil. O custo de mercado está na faixa de R$ 24 mil.

O preço tentador tem uma explicação. “Tenho o papel dele puxado aqui. Multa cinco mil e pouco… IPVA. Só aí são nove mil e pouco”, diz um dos vendedores que anunciavam o carro NP.

O veículo negociado rodou nas cidades de Piedade (SP), Iguape, Juquiá e Sorocaba. Ao todo, são 37 multas. "Esse aqui já estava só rodando. Vai passando de uma mão pra outra”, conta o atual "proprietário".

Questionado sobre para quem vai a multa, ele responde rápido e confiante. "Vai pro cara, mano.” Ou seja, para quem está registrado como dono veículo. E ele diz que não há perigo. “Eu coloco as crianças aí e vou pra todo lado."


Veículos "só pra rodar", negociado em Sorocaba (SP) apresentam dezenas de multas — Foto: Reprodução/TV TEM

A rotatividade desses carros pode ser analisada pelas infrações praticadas em diversas cidades. A superintendente do Detran explica que, não existe a nomenclatura "NP" para carros e motos.

“O veículo que está hoje circulando sem o devido licenciamento, é um veículo ilegal que é passível de apreensão até regularização administrativa que é pagamento dos débitos e licenciamento do veículo. O CTB estabelece que todo e qualquer veículo para circular em vias públicas, independentemente que seja no estado de São Paulo ou outros estados, precisa estar devidamente regularizado”, diz Amanda Couto.

“O que o cidadão que adquire esse veículo tem que ter bem claro é que, no momento da apreensão, por estar conduzindo um veículo não licenciado, será autuado.”

Amanda Couto, do Detran, diz que veículos "só pra rodar", negociados em Sorocaba (SP), são ilegais — Foto: Reprodução/TV TEM

“Mas esses proprietários que fazem a venda pensando que não terão punição, o nome deles, por débito, poderá ir para o Cadin, uma inscrição em dívida ativa do governo do estado. Então, tanto para o proprietário em que o veículo está registrado, quanto para quem conduz o veículo, os dois serão penalizados.”

E quem é inscrito no Cadin sofre punições do governo do estado de São Paulo, as pessoas ficam impedidas, por exemplo, de receber qualquer incentivo financeiro e fiscal do governo e ainda não conseguem liberar os créditos do programa de nota fiscal paulista.

Com o mesmo histórico, a reportagem localizou também um Gol, ano 2009, que tem 30 multas. Na lista, infrações gravíssimas, como cruzar o semáforo vermelho, em horário de pico, no Centro de Sorocaba. Ele ainda tem mais uma dezena de infrações por excesso de velocidade.

O vendedor diz que o carro é “NP” porque deixaram de pagar o financiamento dele. “Esse carro com certeza compraram ele e não pagaram as parcelas. Os documentos foram atrasando e ninguém fez e só. Só esse carro aqui mano, já foi meu uns dois anos atrás. Eu andei e vendi. O carinha que eu vendi, andou, andou, andou, trabalhou com o carro e eu peguei ele de novo."

Mercado de veículos "só pra rodar" ocorre em vários bairros de Sorocaba (SP) — Foto: Fábio Modesto/TV TEM

Nenhuma garantia é dada sobre o veículo, outra característica desse tipo de negócio. O preço oferecido, de R$ 5,3 mil, é quase três vezes menor do a tabela. O veículo custa em média R$ 21 mil.

"(Se) os “homi” parar, tem que conversar bem. (...) Tá atrasado o documento. Na verdade eu nem puxei, mas eu não garanto nada. Vai que tem muito pra pagar lá, até por isso, tô pedindo valor baixo."

Outro veículo negociado é um Corsa 1999. Ele tem dois registros de utilização de som não permitido pelo Contran. O endereço e o horário é um conhecido ponto de baile funk, o chamado "fluxo", na Avenida Olinda Ayres Paulette, em Sorocaba. Ele também possui multa por falta de cinto de segurança. O valor oferecido é de R$ 6 mil, quase metade do que é pedido na tabela, na faixa dos R$ 10 mil.

A reportagem localizou também um Fiesta, ano 2006, que custaria, pelo menos, R$ 16 mil. Só que no mercado NP, ele sai por R$ 4,3 mil. Dentre as multas, há infração até por furar o rodízio de carros na capital paulista.

Dor de cabeça

Mesmo após 12 anos, morador de Sorocaba (SP) tens transtornos em função do negócio — Foto: Marcel Scinocca/g1

O motorista vendeu o carro, mas o comprador não fez a transferência. O veículo foi encontrado à venda nas redes sociais. Trata-se de um Celta, modelo 2006, anunciado por R$ 6,2 mil - menos da metade do que vale na tabela que regula o preço dos veículos vendidos no Brasil.

A conversa com ele começa nas redes sociais, depois houve o encontro com o vendedor. De imediato, ele diz que não é possível regularizar a situação. O carro, como é praxe nesses casos, não está no nome dele. "Não documenta. Tem multa, IPVA…”

Veículos "só pra rodar" são negociados em Sorocaba (SP) — Foto: Reprodução/TV TEM


O veículo é licenciado somente até 2018, depois virou "só pra rodar". Os débitos ultrapassam os R$ 8 mil, somando licenciamento e IPVA atrasados e as 46 multas. Somente 40 dessas multas são por excesso de velocidade.

“Essas pessoas utilizam e não têm medo de levar as infrações, ultrapassam sinal, não param em faixa de pedestre. Essa é nossa principal preocupação, as vidas e os sinistros que acontecem. [A] fiscalização da PM, em parceria com o Detran, para identificar veículos sem licenciamento são frequentes. A gente aperta a fiscalização para impedir que veículos causem risco para quem está no trânsito", comenta Amanda.

"No caso de um motorista flagrado conduzindo um "NP" com bloqueio de furto e roubo, será enquadrado por crime de receptação. Será, inclusive, encaminhado à delegacia e processado. No caso de bloqueio judicial, pode responder por estar na condução do veículo. Não só o condutor, mas também o proprietário.”

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