Ayrton Senna de Tatuí: o dia em que o piloto tentou ser homenageado em segredo e agitou cidad

Sessão de entrega de homenagem da Câmara Municipal foi marcada para uma manhã de sábado para tentar driblar a imprensa, mas a informação vazou e o plenário ficou lotado para ver de perto o ídolo Ayrton Senna.

Por Carla Monteiro, g1 Itapetininga e Região, com copidesque do DT

Ayrton Senna da Silva recebeu título das mãos de Eugênio dos Santos Neto, presidente da Câmara de Tatuí em fevereiro de 1990 — Foto: Acervo/Câmara Municipal

O dia 17 de fevereiro de 1990 tinha tudo para ser mais um sábado tranquilo em Tatuí, não fosse um "detalhe": a presença do ídolo do automobilismo Ayrton Senna, na época campeão do mundo, na Câmara Municipal recebendo em mãos o título de Cidadão Tatuiano.

A diretoria da Casa de Leis tentou manter a homenagem em sigilo a pedido do piloto, mas um furo de reportagem em uma rádio local fez com que o plenário ficasse pequeno diante da quantidade de fãs que procuraram um espaço para ver o grande Ayrton Senna de perto.

Na época, Senna tinha a cidade como um refúgio. No final da década de 1980, ele havia comprado uma fazenda na zona rural de Tatuí, onde passava seu tempo de folga com os pais e a irmã. Alguns amigos próximos visitavam o local com frequência.

“Sou cidadão do mundo, conheço grandes cidades, muito maiores que Tatuí. Tatuí é uma pequena cidade, mas é a cidade do meu coração”, disse Senna no discurso durante a solenidade.

Neste dia 1° de maio, data em que a morte do jovem piloto completa 30 anos, o g1 conversou com alguns personagens que fizeram parte deste dia histórico para cidade e viajou no tempo para contar como foram os bastidores desta homenagem.

Ayrton Senna da Silva morreu no dia 1º de maio de 1994, durante uma corrida de Fórmula 1, na pista de Ímola, na Itália.

Ayrton Senna do Brasil (e de Tatuí): o dia em que o piloto recebeu o título de Cidadão Tatuiano pessoalmente.

Acervo da Câmara de Tatuí

Autor do projeto

O vereador Aroldo Rosa da Silva foi o autor do projeto de entrega de título de Cidadão Tatuiano ao piloto. O projeto foi aprovado na Câmara em julho de 1989. Foram sete meses entre a aprovação e a cerimônia de entrega. A relação do parlamentar com Ayrton Senna era muito próxima. Aroldo conta que costumava frequentar a fazenda do ídolo.

Ex-vereador Aroldo Rosa se tornou amigo pessoal de Ayrton Senna — Foto: Carla Monteiro

"Decidi homenagear Ayrton Senna com o título de Cidadão Tatuiano após uma amizade sincera que criei com ele e com sua família. Ele era uma pessoa extraordinária, admirada por sua simplicidade e generosidade, e merecia ser reconhecido não apenas como um campeão, mas como alguém que sempre ajudou os outros", diz.

"Primeiro, eu falei para os pais dele, Milton e Neyde, que gostaria de fazer a homenagem. Depois conversei com ele, que me fez um único pedido, que o evento fosse 'meio' em segredo. Na época ele estava brigado com o diretor da Fórmula 1. Se a notícia que ele estaria na Câmara de Tatuí se espalhasse era bem provável que a imprensa do mundo todo visse para cá atrás dele", recorda.

A relação próxima entre Ayrton Senna e o vereador Aroldo Rosa da Silva, autor do projeto de entrega do título, começou com a tradição da cidade. "Quando soube que ele havia comprado a fazenda, fui até lá e levei alguns dos famosos doces de Tatuí. A mãe dele gostou tanto que pediu para me chamar. Desde então criamos um laço de amizade, e minha família frequentava a fazenda regularmente."

Filhos de Aroldo Rosa com Ayrton Senna na fazenda em Tatuí — Foto: Arquivo Pessoal

Mas, segundo o ex-parlamentar, muitas pessoas duvidavam que o piloto, que na época já era campeão do mundo, iria pessoalmente receber a homenagem. Além disso, a quantidade de gente que começou a chegar no meio da sessão chamou atenção e atitude do Senna evidenciou as caraterísticas que o, agora amigo, mais admirava nele.

"Depois que ele chegou, a rádio anunciou a presença dele aqui. E o que veio de criança aqui não foi brincadeira. Ficaram aqui por horas, tirando fotografia, pegando autógrafo, e ele, gentilmente atendeu a todos. Com criança ele era especial", recorda.

Sessão no sábado

Ayrton Senna recebeu o título de Cidadão Tatuiano em 1990, momento marcante na história da cidade — Foto: Acervo/Câmara Municipal

O então presidente da Câmara Municipal de Tatuí, Eugênio dos Santos Neto, recorda que a sessão seguiu todo o protocolo que a solenidade exige, a única diferença foi a data do evento. 'Saímos um pouco da normalidade porque essas sessões eram realizadas na sexta-feira à noite. Mas como houve esse pedido nós acatamos".

O ex-presidente relembra que algumas pessoas que sabiam da outorga custaram a acreditar que o piloto iria pessoalmente. Mas, como ele via de perto a relação de amizade de Ayrton com o vereador que propôs o título, para ele era uma certeza a ida do ídolo à homenagem.

"Apesar do pedido de discrição por parte de Ayrton Senna, a entrega se tornou um evento marcante e lotado de pessoas. Mesmo sem publicidade, a notícia vazou, e a cerimônia na Câmara Municipal de Tatuí atraiu uma multidão. Tinha gente nas janelas tentando ver alguma coisa."

Eugênio dos Santos Neto era o presidente da Câmara de Tatuí e foi ele quem entregou o título para Ayrton Senna — Foto: Carla Monteiro

A logística da Câmara

O atual diretor administrativo da Câmara, Adilson Fernando dos Santos, estava há poucos meses trabalhando na casa de leis quando o evento foi realizado. Mas ele se recorda que a organização do evento foi feita com rigor, seguindo protocolos com a devida solenidade.

Adilson Fernando dos Santos já era funcionário da Câmara de Tatuí quando a homenagem foi realizada — Foto: Carla Monteiro

"A rotina era tranquila, típica de uma Câmara de cidade do interior. A notícia da homenagem não foi divulgada até o dia da cerimônia, mas acabou vazando pela rádio local, o que levou o plenário a lotar rapidamente. Todos esperavam por ele de maneira solene, mas foi surpreendente vê-lo chegar de forma descontraída, de jeans e camisa."

De acordo com Adilson, o prédio da Câmara ainda é no mesmo endereço, mas a configuração do entorno e até o plenário eram diferentes, menores. E tanto do lado de dentro do prédio, quanto no pátio que existia à frente não havia mais lugar para tanta gente. "Ele atendeu a todos com muita simpatia e emoção, inclusive tirando fotos com os presentes. Foi uma experiência emocionante para nós que trabalhávamos ali e éramos fãs dele."

O registro do evento

O fotógrafo Ademar Machado ainda guarda os negativos da sessão solene — Foto: Carla Monteiro

Ademar Machado, um fotógrafo experiente e considerado o fotógrafo oficial do município, tinha participado de diversos eventos na Câmara Municipal, além de shows e outras atividades culturais. Ele recorda bem a recomendação que recebeu ao ser convidado para fotografar a sessão solene.

"A peculiaridade é que este evento não foi divulgado como de costume. Normalmente, quando há um evento assim, é anunciado até nos jornais, mas este foi praticamente secreto."

Naquela época, não se tiravam muitas fotos, já que as câmeras ainda utilizavam filmes. Ademar guarda os negativos da cerimônia até hoje.

"Eu não vendo nem empresto os negativos. Eles permanecerão em meu acervo pessoal."

O plenário da Câmara de Tatuí ficou lotado, todos queriam ver de perto o ídolo Ayrton Senna — Foto: Acervo/Câmara Municipal