sábado, 5 de agosto de 2023

leitura | Barbiemiga (Cristina Siqueira)




Fico impressionada ao ver uma formiga pequenininha carregando uma folha bem maior que ela. Elas são fortes, muito fortes.

Escolhi um formigueiro muito especial, perto do canteiro das azaléas.

E pronto, cheguei ao formigueiro hi-tech em construção onde construo a Barbiemiga.

Na entrada tem terra vermelha toda picadinha, alguns restos de folhas, uns cactos de espinhos espetados. Algumas formigas conversam. Outras não param de andar sempre apressadas. Tem uma maior que vai e se volta para cochichar com algumas delas. Esta parece um general.

Adentram ao formigueiro escuro, cheio de galerias e um espaço logo na entrada que parece uma sala de estar.

Buscam um lugar seguro.

A casa que invento é bem mais arejada, aberta ao céu, tem por lá umas formigas deslocadas que parecem caminhar por um museu. Lá estão as coisas inanimadas que fui colecionando e levando para o espaço; a mesa de carretel e sobre ela um vagalume brilhante com os pés presos no mel para brilhar feito abajur quando a noite ficar escura.

Na entrada coloquei um tapetinho de asa de cigarra.

Fiz alguns pingentes de taturanas de cabeça vermelha, lindas, porque já estavam mortinhas da silva.

Sons marinhos numa concha vazia fazem da sala um lugar de aconchego. E duas formigas criam romance num tocar de antenas. Fico feliz ao vê-las enroscadas e coloco um miosótis para enfeitar este comovente romance.

Sempre levo guloseimas, farelo de bolos, biscoitos, balas e suco de maçã em uma jarra feita com um dedal da caixa de costura da mamãe.

Preciso arrumar soluções para as torneiras. Talvez um conta gotas de vidro de remédio e uns pedaços finos de mangueira. Uns canudinhos de plástico com cola à prova d'água e uma concha de madrepérola dariam uma banheira muito chique.

Potes de iogurte cortados ao meio farão as vezes de caminhas, um luxo, fiz as colchas de patchwork aproveitando as sobras de retalhos que tinham num saco perto da máquina de costura.

Penso que a comunidade Barbiemiga deveria ter um jornal com notícias bem curtinhas de tudo que acontece por aqui e um esperto serviço de metereologia. Uma equipe de vigilância ambiental tendo por responsável o Formigão que se encarregaria de cuidar para que não houvesse águas paradas, criatórios do mosquito da dengue, da zica e da chicungunha.

Iria inventar histórias de conspirações políticas. Para mim a cigarra seria amicíssima da formiga pois ela canta e torna os dias das trabalhadoras formigas mais felizes. Duram menos mas não têm importância pois vivem intensamente.

Trancar o caminho com pedras para obrigá-las a encontrar soluções criativas para ultrapassar obstáculos e assim eu levaria um pouco de emoção à monotonia de suas vidinhas de formigas.

Com uma bandeja de embalagem de alumínio fiz um telão. Ficou bem legal.

Construir a Barbiemiga mexe com as minhas ideias.


(Do livro  "Eu comigo conversando com o umbigo", de Cristina Siqueira)

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