terça-feira, 25 de julho de 2023

28º FETESP | O que vimos e sentimos?

O 28º Festival Estudantil de Teatro de São Paulo traz a Tatuí a importância da arte na construção de uma sociedade mais justa

O cortejo do 28° FETESP (Conservatório de Tatuí / Divulgação)



Por: Guilherme Garcia (*)

A arte e os sentimentos são indissociáveis, premissa básica que nos leva a um encontro frequente com o “diferente” onde cada um sente aquilo que lhe toca. Porém, ainda que o sentimento seja único, há nele possibilidades de conexão com as outras pessoas. Sobretudo nas construções coletivas e colaborativas que permeiam a sociedade. O Festival Estudantil de Teatro de São Paulo (FETESP) iniciou sua 28ª edição no último final de semana trazendo provocações importantes sobre essa construção coletiva do espaço em que vivemos, trazendo a Tatuí uma atmosfera intensa de transformação pelos próximos dias de festival.

Ao final de cada espetáculo do festival há uma troca de ideias entre público e elenco. Essa troca se inicia pela pergunta “o que vimos? ”. Apesar da pergunta focar uma resposta literal é interessante perceber que o público automaticamente começa a falar sobre “o que sentiu”. Um autor muito importante para os estudos culturais, Raymond Williams, nomeia as questões vividas em um determinado povo, tempo e espaço que não conseguem ser elaboradas em teorias, porém são claramente sentidas. São elas as “estruturas de sentimento”. Williams também traz que a maneira ideal de investigar as estruturas de sentimento de um povo é por meio de sua arte. Dito isso é certo que um movimento artístico como o FETESP – que reúne artistas e estudantes de todo o estado – cria estruturas de sentimento que reverberam entre os participantes e também em toda a cidade.

Quem acompanhou a abertura do evento com a obra “Ficções” - escrita por Rodrigo Portella e inspirada no livro Sapiens de Yuval Noah Harari – recebeu as provocações da atriz tatuiana Vera Holtz e de Federico Puppi sobre as ficções que criamos e como elas moldam as nossas relações. São ficções o casamento, a religião, o próprio dinheiro, pois apesar de existirem não configuram necessidades essenciais à sobrevivência. São ficções criadas a fim de organizar e dar sentido às relações humanas. O autor do livro destaca, inclusive que a capacidade de criar e apreciar a arte é uma das características únicas da nossa espécie. Ele sugere que a arte desempenha um papel importante na construção e reforço das ficções compartilhadas, pois as obras de arte representam valores culturais, mitos, histórias e crenças fundamentais para uma determinada sociedade, assim como apontado por Williams.

A abertura do festival reverbera diretamente na leitura das demais obras apresentadas e discutidas com o público ao longo dos últimos dias, pois o fazer teatro é constituído de narrativas ficcionais. Ainda que retratando histórias reais, carrega um ponto de vista específico e se traduz de forma ficcional. De modo que a atmosfera sentida entre os grupos participantes e sua relação com o público tem evocado uma pergunta essencial: que ficções queremos ver e viver em um palco?

Pela Cia. Fratri Alatere, ao apresentarem a obra “Eh, turtuvia!” fomos convidados a repensar narrativas que estamos perdendo em uma urbanização que “passa por cima” para depois “ressignificar” as cidades. Em seguida recebemos uma resposta esperançosa dos jovens atores e atrizes da Cia. de Teatro Tal&Pá no espetáculo “Chão Brasil”, onde o público foi convidado a repensar a relação com a pátria que, já diria Harari, é mais uma ficção. Esses questionamentos se intensificaram com o musical “Vila Rica ou a história de um coração que quer ser ocupado” da Cia Quase Poética de Teatros que se passava em uma ocupação e que inclusive encontrou eco em histórias do próprio público percebendo a necessidade de se falar sobre ocupações na cidade Tatuí.

A escolha de uma história para se contar no palco tema central da discussão após a criação em processo da Companhia de Teatro Flor do Asfalto,“Tecendo miçangas, contando vidas”. Ali vimos - no meio da feira livre da cidade – um grupo que decidiu trazer ao palco suas famílias, mulheres e homens pretos em uma ficção criada por gente branca para reduzi-los aos mesmos papeis ao longo da história. Também o Grupo Alta, formado por alunos e alunas de uma escola pública estadual, levantaram na peça “A Vaca Notícia” questionamentos sobre a qualidade da educação brasileira e o papel importante do teatro – uma ficção – na rede pública. Por fim “Lôas” da Corpórea Companhia de Corpos, nos levou a um espaço de luta diária trazendo a memória de mulheres pretas que carregam sua ancestralidade consigo para enfrentar cada dia.

Segundo Harari, uma das formas de vencer os malefícios trazidos pelas ficções solidificadas ao longo da história é a criação de novas ficções. Ao vermos os espetáculos do 28º FETESP, conseguimos sentir que as ficções criadas pelos grupos participantes estão abrindo caminhos para construções coletivas verdadeiramente plurais. Em todas as narrativas e espetáculos apresentados há uma preocupação em contar histórias onde todas as pessoas possam estar. Há uma estrutura de sentimento que se forma entre os jovens atores e atrizes e que reverbera para o público tatuiano com a seguinte mensagem: na arte há um espaço livre e seguro para ser, criar e falar.

(*) Guilherme Garcia é Estudante do Curso Profissionalizante de Teatro pelo Centro de Artes Cênicas (CAC) Walmor Chagas da Cia Teatro da Cidade, em São José dos Campos. Licenciado em História e Bacharel em Comunicação Social: Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), campus Engenheiro Coelho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário