Por Bia Parreiras
Quando Niufer Demir fotografou o corpo do menino sírio Aylan na praia, não sabia que estava fotografando um anjo, que faria o mundo olhar melhor a crise migratória. Ela estremeceu ao fazer a foto, contou numa entrevista, e com certeza estremeceu os corações dos que a olharam.
Ser fotógrafo é olhar com imparcialidade a cena e fotografar. A paixão pelo fotojornalismo vem disso.
Hoje essa arte se tornou medíocre nas mãos dos que se preocupam em fazer selfies o tempo todo para satisfazer os seus egos, mas acho valiosa a contribuição dos amadores que fotografam a cultura das suas famílias, porque isso é história e comportamento de uma época.
Como Barthes diz, a fotografia representa um instante que já morreu, porque aquele instante não se repetirá nunca mais.
Hoje, com o advento da fotografia digital, todos se acham fotógrafos e isso não é novidade. Lembro que até pouco tempo atrás, quando eu dizia que era fotógrafa, muitos se emocionavam. Agora, quando digo isso, muita gente responde de pronto: eu também sou.
Não imaginam o comprometimento que essa profissão exige, seja técnico, ideológico ou simplesmente a consciência pura do que está fazendo no momento que fotografa.
A grande paixão da minha vida é a fotografia, que me levou a lugares e situações históricas, em alguns momentos. Fotografei tudo o que eu queria ver, desde uma cirurgia do coração – uma das primeiras — até a Floresta Amazônica, em avião sem porta.
Vi plataformas de petróleo, cidades, campos, atores e músicos, muitos empresários – donos do PIB nacional –, teatro… Enfim, passei a vida olhando de tudo um pouco e me apaixonei por isso. Fiz a fotografia do Lamarca em Quitaúna quando eu tinha 19 anos, para o Jornal Última Hora.
Ninguém sabia que ele fugiria com as armas um mês depois e essa imagem viveria até hoje. Muito menos eu, que deixei os meus negativos para trás e fui encontra-los no arquivo da Folha, depois de passar pelo Arquivo do Estado, no ano passado. Só havia restado quatro tiras, dos dois filmes TRI-X que usei naquela época.
Eu sempre gostei muito de fazer retratos, porque interagia com as pessoas e assim conseguia passar a imagem que eu desejava. No retrato de Oscar Niemeyer ele está sorrindo, o que é coisa rara. Lembro que fiz alguma brincadeira sobre social democracia x comunismo e ele me deu esse sorriso.
Muitos amigos já conhecem história do retrato do Gilberto Gil. Ele agendou nossa sessão no meio de um ensaio, vestia uma camisa comum e estava inquieto com o tempo. Cobrei que não estava me dando seu retrato e ele imediatamente tirou a camisa e me deu a fotografia.
Posso fazer o contrário, provocar o medo, como na fotografia do Pedro Collor, que fiz logo após a entrevista que levou ao impeachment do seu irmão. Ou como fiz com esse menininho: falei
que iria roubar seu pirulito e ele travou o pirulito na boca, Adorava pedir para grandes empresários fazerem coisas impossíveis, como subir num guindaste – conseguia isso apenas elogiando a gravata ou dizendo que estavam bonitos.
Existem sonhos que eu não realizei: fotografar as pernas dos jogadores de futebol, que são maravilhosas; jogar as bolinhas de gude que eu carregava nas passeatas de 1968 e derrubar a repressão. Também queria fazer um ensaio sobre Vestidos Para Festejar, mostrando que festejar é um estado de espírito, não importa se a pessoa veste Versace ou uma saia de chita. Isto tudo vai ficar só no meus sonhos.
Agora, eu resolvi fazer Fine Art e buscar o que há de estético na natureza, na arquitetura, algumas casas e lugares históricos etc. Busco naquilo que está perto de mim de forma livre, sem comprometimento com as pautas dos editoriais e sem a ajuda de nenhum curador.
Eu nunca coloquei fotografias na parede, mas agora mudei. Quando decidi buscar este caminho, passei a assistir a palestras, workshops, ir a todas as exposições, one encontrei diversos colegas que também buscaram essa alternativa.
Hoje as galerias querem a história que fotografei, para fazer alguma exposição, enquanto eu quero mais é fotografar coisas novas todos os dias, porque isso é vital para a minha existência. Observo os detalhes e busco o encanto em cada clique. Eu me sinto merecedora dessa liberdade de expressão, depois de ter trabalhado 45 anos como fotógrafa. Quem quiser montar a minha história que o faça. Para mim tanto faz, porque eu já vivi tudo aquilo.
A Feira do Cavalete, que será no próximo sábado dia 19, das 11h às 19h, na Rua Harmonia, 126, em São Paulo, foi uma alternativa que encontrei para mostrar esse meu trabalho novo, livre dos editoriais e mais autoral.
Fotografo sem qualquer compromisso que não seja o de colocar uma fotografia na parede que agrade os olhos de quem vê. Pesquiso algumas possibilidades de alinhavar tudo isso, dentro da minha proposta de olhar as coisas mais simples do mundo e fotografar.
A Feira Cavalete é uma iniciativa da DOC Galeria e Galeria Nikon e foi idealizada pelos curadores Mônica Maia e Fernando Costa Neto. A proposta é divulgar a fotografia Fine Art, gênero já consagrado na Europa e Estados Unidos, para um público novo. Espero que gostem.
Publicado por Bia Parreiras no DCM - 18 de setembro de 2015
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