Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) criticou quem 'insiste em proclamar' que pode desrespeitar decisões judiciais.
Por Rosanne D'Agostino, G1 — Brasília, com edição do DT
16/06/2020 | Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro tatuiano Celso de Mello, apontou nesta terça-feira (16) a existência de um "resíduo de forte autoritarismo" no interior do aparelho de Estado no Brasil.
Ele fez a afirmação durante sessão da Segunda Turma do STF, presidida pela ministra Cármen Lúcia. O ministro não mencionou nenhum caso específico.
As relações entre Executivo e Judiciário têm sido marcadas por episódios de tensão. Dois inquéritos em tramitação no Supremo apuram a divulgação de notícias falsas e ameaças a ministros por simpatizantes de Bolsonaro e a organização de atos antidemocráticos por apoiadores do presidente, que pedem fechamento do STF, do Congresso e intervenção militar. No último dia 28, Bolsonaro afirmou que "ordens absurdas não se cumprem", em referência à operação da Polícia Federal, deflagrada na véspera, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de empresários e blogueiros aliados.
"É inconcebível, senhora presidente, senhores ministros, senhores advogados, que ainda sobreviva no íntimo do aparelho de Estado brasileiro um resíduo de forte autoritarismo que insiste em proclamar que poderá desrespeitar, segundo sua própria vontade arbitrária, decisões judiciais", afirmou o ministro.
Segundo Celso de Mello, que não mencionou Bolsonaro, esse discurso "não é um discurso próprio de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República”.
Durante o pronunciamento, Celso de Mello elogiou discurso em que a ministra Cármen Lúcia, presidente da turma, havia feito pouco antes, no qual afirmou que a ação de “uns poucos” não instalará "temor ou fraqueza" nos integrantes da magistratura brasileira.
O ministro disse que é “essencial relembrar a cada momento das lições da história, cuja advertência é implacável”.
Citando Aliomar Baleeiro, ex-ministro do STF, Celso de Mello afirmou que “enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores. É preciso resistir, mas com as armas legítimas da Constituição e do Estado brasileiro”.
“É preciso resistir, mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis do estado brasileiro e reconhecer na independência da Suprema Corte, como salientava o saudoso ministro Aliomar Baleeiro, a sentinela de liberdades”. “Porque sem juízes independentes jamais haverá cidadãos livres neste país”, declarou.
Bolsonaro defende impor limites e descumprir ordens que ele considera absurdas |
A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo do inquérito que investiga a produção e disseminação de informações falsas e ofensas à Corte.
"Nunca tive a intenção de controlar a Polícia Federal, pelo menos isso serviu para mostrar ontem. Mas obviamente, ordens absurdas não se cumprem. E nós temos que botar um limite nessas questões”, afirmou Bolsonaro naquela oportunidade.
O presidente disse ainda que tem as "armas da democracia nas mãos" e afirmou que não haverá um outro dia igual.
"Repito, não teremos outro dia igual ontem. Chega! Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão. Eu honro os meus compromissos no juramento que fiz quando assumi a Presidência da República."
Depois, em 12 de junho, o presidente afirmou, em nota publicada em sua rede social, que as Forças Armadas não cumprem "ordens absurdas".
"Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos", disse. Também assinam a nota o vice Hamilton Mourão e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo.
O texto foi publicado depois que o ministro Luiz Fux afirmou, em decisão judicial, que as Forças Armadas não são poder moderador e que a Constituição não permite ao presidente da República recorrer às Forças Armadas contra o Congresso e o Supremo.
Bolsonaro disse que "as Forças Armadas estão sob autoridade suprema do Presidente da República, de acordo com o artigo 142 da Constituição Federal" e "as mesmas destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Pedido rejeitado
Nesta terça, o ministro Ricardo Lewandowski rejeitou uma interpelação judicial que pedia esclarecimentos a Celso de Mello sobre declarações enviadas a amigos por celular. A mensagem se tornou pública no início deste mês.
O pedido tinha sido feito por um advogado de São Paulo, apoiador de Jair Bolsonaro, que se disse ofendido pela mensagem. Nela, Celso de Mello comparou a situação política atual do Brasil à da Alemanha nazista e disse que a intervenção militar pretendida por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro significa a instauração de uma “ditadura militar” no país.
Lewandowski considerou que o instrumento usado pelo advogado era impróprio e que não há "quaisquer indícios mínimos de materialidade delitiva" por parte do ministro Celso de Mello. "De plano, verifico a impropriedade do uso da medida manejada pelo autor, cujo objeto envolve fatos sem quaisquer indícios mínimos de materialidade delitiva por parte do Ministro Celso de Mello, decano desta Suprema Corte".
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