Além disso, Lucélia quase ficou sem a guarda dos filhos. Ela precisou ser internada para se recuperar da dependência tecnológica.
Do G1 - A vida mudou de ritmo. Parece cada vez mais acelerada. E nós cada vez mais mergulhados numa nova realidade. As mudanças no nosso comportamento são profundas e passam por uma conexão invisível e poderosa. Dominamos a internet ou a internet nos dominou?
Ver, ouvir, sentir. A gente interage o tempo todo com o mundo, com as pessoas. Agora, tem muita gente dando mais atenção para a telinha do celular do que para o mundo real. Como a monitora escolar Lucélia Cristina Paz, que chegou a ficar doente. Ela perdeu o controle sobre a própria vida.
"Sentada no sofá, só mexendo no celular, não mexia com comida, não mexia com casa, não mexia com nada. E assim passava o dia. Fui perdendo coisas que eu tinha mais próximo de mim", lembra. Ela passava o dia parada, imóvel, hipnotizada. E foi assim que, aos 25 anos, Lucélia perdeu o emprego de ajudante de cozinha, perdeu o marido e quase ficou sem os dois filhos pequenos.
Lucélia foi fundo nas redes sociais, nos programas de bate-papo. Ela trocava até as refeições pelos desconhecidos da internet.
"Daí eu fui emagrecendo, cheguei a pesar 47 quilos. De 80 fui pra 47”, diz.
Globo Repórter: Qual foi o pior momento para você?
Lucélia: Foi quando meu pai e minha mãe tomaram meu celular. Porque daí veio até polícia em casa porque eu agredi meu pai e minha mãe.
Globo Repórter: Você chegou a agredir fisicamente seus pais?
Lucélia: Sim.
Globo Repórter: Por causa de um telefone celular?
Lucélia: Por causa do meu telefone celular.
Ver a filha assim foi demais para dona Neuza, que sem saber o que fazer, procurou uma clínica particular para dependentes químicos. Lucélia passou oito meses internada lá.
A mãe, uma mulher simples e determinada, vende picolés nas ruas de Tatuí, no interior de São Paulo. E foi assim que ela pagou parte do tratamento da filha.
“No começo não foi fácil, no começo eu ficava procurando meu celular, ficava tremendo a minha mão, ficava imaginando meu celular tocando debaixo do travesseiro. Então eu tive uma dependência muito forte”, conta Lucélia.
Não é exagero. A dependência tecnológica existe e pode ser comparada à dependência a drogas. O psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, do Instituto de Psiquiatria da USP, confirma.
"Alguns estudos já começam a mostrar que no cérebro o uso abusivo de tecnologia produz o mesmo efeito do uso abusivo de drogas. A heroína, a cocaína, todas essas drogas produzem efeito no cérebro que são muito parecidos, por exemplo, com aquilo que a gente observa em jogadores compulsivos", explica.
Um desses efeitos é a liberação da dopamina, uma substância produzida no cérebro que é responsável pela sensação de recompensa, de prazer. E o dependente precisa cada vez mais de doses de dopamina para se satisfazer.
O problema é mais comum do que a gente imagina. Tanto que o Instituto de Psiquiatria da USP criou um programa para tratar os dependentes em tecnologia.
“Uma vez por semana, durante 18 semanas, esses pacientes são acompanhados por alguns psicólogos e, dependendo do estado de gravidade, eles podem receber algum tipo de medicação”, diz o psicólogo.
Mas o doutor Cristiano deixa claro: a culpa não é da tecnologia, e sim do uso que fazemos dela. É que muita gente acha que pode se livrar no mundo virtual de problemas que enfrentam no mundo real.
“Imagina, por exemplo, um jovem que tenha seus 16, 17 anos, vamos imaginar ele tem talvez um problema de sobrepeso, ele tem problemas de espinhas, ele tem algum tipo de insegurança, ele tem fobia social, por exemplo. Há de se concordar que esse jovem nas relações sociais ele vai ter algum tipo de dificuldade. Ele vai se sentir discriminado. Na internet, na vida digital, não, porque eu controlo exatamente o grau de exposição e o que eu vou passar de mim para os outros. Então, é como se fosse um mundo ideal”, explica.
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