São apenas 25 anos de idade, mas Diogo Liberano já fez seu nome no cenário teatral brasileiro. Com “Sinfonia Sonho” (2012), trabalho de conclusão do curso de Direção Teatral da UFRJ, foi indicado ao Prêmio Questão de Crítica na categoria de Melhor Direção. Este ano, ainda assinou a dramaturgia de “Maravilhoso”. Agora, assume a função de ator em outro espetáculo próprio, chamado “Vermelho Amargo”. A peça é baseada no premiado romance homônimo do escritor Bartolomeu Campos de Queirós.
Para isso, o menino teve uma ajuda muito especial. Amiga de Bartolomeu há muitos anos, a atriz tatuiana Vera Holtz foi recrutada pelo próprio escritor para participar desta primeira transposição do romance para o teatro. Responsável por supervisionar a adaptação, a atriz dividiu com o grupo sua experiência como atriz e diretora e seus conhecimentos em artes plásticas, curso no qual é formada há mais de 40 anos.
– Ele me contou que um grupo tinha o procurado querendo fazer uma adaptação teatral de “Vermelho Amargo”. Perguntei se ele conhecia os artistas e ele disse que não (risos). Mas falou: “Quanto mais pessoas se inspirarem com o meu trabalho, melhor”. Achei aquilo de uma generosidade incrível! – lembra Vera.
– Apresentei aos meninos diversos livros da coleção do Bartô e ajudei nessa aproximação entre literatura e teatro.
– Apresentei aos meninos diversos livros da coleção do Bartô e ajudei nessa aproximação entre literatura e teatro.
A idealização do projeto ficou por conta dos atores Davi de Carvalho e Daniel Carvalho Faria, integrantes da Companhia Aberta. A dupla entrou em contato com a obra de Bartô – como o autor é carinhosamente chamado – logo após seu lançamento, em 2011. A identificação foi imediata e eles procuraram um diretor que pudesse transitar entre o doce e o amargo com a precisão exigida pela história. Foi quando Diogo entrou na história.
– Não conhecia o autor até ser apresentado a esse romance. Fiquei impressionado com a beleza de suas palavras. Rapidamente me interessei e comprei o projeto. A história mostra uma trajetória de superação que dá origem a um ser humano complexo, sincero e aberto à vida. O olhar do Bartolomeu é muito consciente sobre o mundo, é a perspectiva de quem está realmente acordado. A dor é evidenciada na ideia de que devemos ultrapassá-la. Não ignorá-la, mas superá-la – explica Diogo, citando um trecho do espetáculo para ilustrar suas ideias: “A memória só suporta o passado por reinventá-lo incessantemente”.
Este foi o primeiro e único romance adulto do escritor mineiro, considerado um dos grandes nomes da literatura infanto-juvenil brasileira. Autobiográfico, o texto original traz um narrador em primeira pessoa que revisita sua dolorosa infância, marcada pela morte da mãe. A partir daí, o público acompanha o amadurecimento brutal de um homem, que expõe seus sentimentos mais íntimos, as suas vivências familiares e uma reflexão profunda sobre as amarguras da vida.
Esse é o primeiro espetáculo da Companhia Aberta, formada por Davi e Daniel (Foto: Anna Clara Carvalho)
A história de superação trazida pelo livro é carregada de uma síntese poética que não poderia ficar fora dos palcos. Este foi o maior desafio encontrado pelo trio ao longo da construção do espetáculo. Sem querer construir um produto pronto para a plateia, Diogo optou por uma montagem que abrisse o olhar do espectador. O resultado é uma forma de teatro que trava um diálogo bastante estreito com as artes plásticas.
– Trata-se de uma prosa poética extremamente contundente, que abre os sentidos. Então, buscamos construir uma encenação que trouxesse mais formas, linhas e curvas do que propriamente um sentido impregnado. Assim, o público podia criar um sentido próprio a partir daquilo que ouvia e visualizava em cena – explica o diretor.
A encenação apresenta o trajeto de amadurecimento de uma criança (Foto: Anna Clara Carvalho)
Bartolomeu Campos de Queirós, contudo, não pôde conferir o resultado de sua obra nos palcos. O escritor morreu em janeiro de 2012, por insuficiência renal, mas até o fim da vida continuou construindo seu legado. Este fato serviu como inspiração para o grupo, que passou por um momento de apreensão: um mês antes da estreia, Daniel Carvalho Faria sofreu uma cirurgia de apendicite. Por causa da movimentação vigorosa em cena, ele não poderia fazer as primeiras apresentações.
– O problema de saúde, a princípio, tiraria o Daniel de cena. No entanto, partindo de todo o processo de reflexão trazido pelo Bartô acerca da vida e do processo de amadurecimento, nos pareceu inviável não saber lidar de uma forma sincera com esse acontecimento. A ideia não era substituir um ator por outro. Olhamos para a situação e tentamos entender o que ela estava nos querendo dizer criativamente. O Daniel então continuou em cena e inaugurou um lugar novo dentro do espetáculo, de extrema importância. Eu ocupei o lugar que ele teria ao lado do Davi e ele agora está no que chamamos de “lugar do autor” – explica Diogo, se referindo a uma cadeira situada entre cena e plateia: no palco, mas fora do espaço cênico.
O estudo em cima da obra de Bartolomeu de Queirós não se limitará apenas à “Vermelho Amargo”. Após a estreia da peça, o trio ministrará uma oficina para investigar a possibilidade de uma textualidade cênica a partir de obras literárias. Também serão realizadas ao longo da temporada algumas leituras de outras obras do escritor, sob orientação da atriz diretora e professora Adriana Schneider.
– Costumo falar em pontos de vista. Pode ser uma questão geracional, já que se trata de jovens com uma linguagem audiovisual muito forte. Daí a presença das artes plásticas na peça. O Diogo é um belo representante desse novo grupo. Ele tem atitude, conhecimento e paixão. Com a atitude, ele decide o caminho a ser percorrido; com o conhecimento, descobre a melhor maneira de caminhar; e a paixão traz perseverança para percorrê-lo até o final – avalia Vera. – Tenho certeza que o Bartô estaria aplaudindo feliz da vida o encontro dessas duas gerações.
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