Frases simples, mas rimadas em versos improvisados e em forma de desafio a outros artistas. Assim pode ser definido o cururu, um ritmo musical que faz parte da música caipira brasileira. Em Tatuí (SP), grupos de violeiros fazem questão de se reunir para cantar o cururu e despertar nos mais jovens o interesse pela música.
De acordo com o cururueiro Gabriel Bueno, a tradição deve origem em evento religioso e atravessou gerações. “Começou em 19916. Os índios foram os primeiros a cantarem o cururu. Isso acontecia às margens do rio Tietê, onde aconteceu a primeira pousada do Divino, na Festa do Divino Espírito Santo. Eles cantavam versos em saudação e louvor em frente ao altar. Era um violeiro e quatro cururueiros na primeira rodada. Ali saudando as imagens, agradeciam o festeiro e o trato que tinham recebido. Terminado isso, seguiam para o salão e cantavam a noite inteira. Sobre aquela época, dizemos que era feito o ‘cururu sério’. Com o passar do tempo, houve evolução. Hoje em dia está um pouco diferente. O cururu é mais uma brincadeira de palavras”, ressalta.
As apresentações de cururu são feitas sempre com duas pessoas ou mais e os temas são livres. O estilo caipira de cantar atraiu o violeiro Dorival Mota. Ele conta que conheceu a tradição quando ainda era criança e acompanha o pai em evento onde havia apresentação desse ritmo musical. “Eu ia às pousadas do Divino com meu pai. Lá sempre estavam os cantadores de cururu mais famosos e foi aí que fiquei apaixonado. Tive certeza de que queria ser um violeiro e cantor de cururu”, comenta.
Mota ainda destaque o acaso que o colocou pela primeira vez em uma festa como músico. “Eu sempre acompanhava os cururueiros e aprendi a tocar viola. Certo dia houve uma festa em Tatuí. Os cururueiros convidados eram de Piracicaba (SP). Acontece que neste evento, o grupo teve algum problema e vieram sem violeiro. Como o pessoal da cidade já me conhecia, acabaram falando que eu sabia tocar e fazer cururu, então fui chamado. Nesse dia realizei meu sonho e nunca mais parei”, relembra.
Na zona rural da Tatuí, no bairro Miranda, tem um espaço chamado Recanto da Viola, onde grupos antigos de violeiros se reúnem para tocar. Há mais de 30 anos eles mantêm a tradição e tentam passar a cultura aos filhos e neto. Foi assim que a maior parte dos músicos também aprendeu a tocar. “Muitos cururueiros já morreram, mas aqui ainda temos gerações reunidas pela música. Estamos em uma luta para não deixar o cururu ser esquecido. Acho que estamos conseguindo já que a cada reunião o espaço fica lotado. É muito bom. Até antes de morrer, quero ver se ainda canto um versinho”, diz o cururueiro Zacarias Camargo.
Camargo também relembra da infância. Ele conta que morava em um sítio e os cantores passavam a cavalo. Isso espertava a curiosidade. “Na época eu era muito menino. Quando estava lidando com o gado observava aqueles ‘velhos’ passarem cantando e me pergunta o que era aquilo e fui ficando interessado. Já nessa época decidi que queria ser igual a eles: lidar com gado e tocar cururu”, revela. O parceiro de música dele, Josué Pereira, complementa: “O cururu deixou na memória muitas pessoas boas que cantavam. Muitos faleceram e quase a tradição morreu com eles. Nós não podemos deixar sumir essa cultura, por isso, continuamos para incentivar para que os mais novos aprendam como nós aprendemos”.
Incentivos
Há quinze anos, o radialista Aurélio Serrão mantém em seu programa de rádio, em Tatuí, um horário especial para divulgar a música de raiz. São duas horas de apresentações de cururu. O radialista afirma que o programa é um local para mostrar o talento de cada um. “Esse programa, transmitido aos domingos, é uma vitrine que mostra os valores não só de Tatuí, mas de todo o estado. O cururu é feito do improviso, do que cada mente humana cria dependendo do assunto e reunindo pessoas que duelam em versos trovados. Isso e muito bonito”, diz.
Além do programa de rádio, outra forma de colocar o cururu em evidência é a realização do Torneio Estadual de Cururu promovido pelo Conservatório Musical da cidade. A última edição, realizada em novembro, reuniu violeiros e cantores de Boituva, Botucatu, Capela do Alto, Cerquilho, Cesário Lange, Pardinho, São Manoel e Tatuí. Quatro finalistas disputaram prêmios de R$ 2.800 em dinheiro.
Segundo o coordenador do festival, Jaime Pinheiro, a iniciativa tem ajudado a fortalecer a expressão cultural. “Temos observado que o cururu passou a ser reconhecido. Há vários artistas realizando apresentações em diferentes pontos do Estado de São Paulo, inclusive na Capital”, afirmou Pinheiro.
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