domingo, 8 de abril de 2012

"Palácio do Fim": uma realidade distante, mas que fala a todos nós


Montagem densa de José Wilker com Camila Morgado, Antonio Petrin e Vera Holtz cala e emociona o público

01/04/2012 | 19:31 | FERNANDO HENRIQUE DE OLIVEIRA, ESPECIAL PARA A GAZETA DO POVO

Três relatos distintos sobre o terror no Iraque se intercalam em "Palácio do Fim", peça dirigida por José Wilker que estreou neste sábado (31) na Mostra Oficial do Festival de Curitiba e que faz, neste domingo (1º), às 21 horas, sua segunda e última apresentação. São visões particulares de três personagens reais ligados a diferentes momentos da história do país, o do regime de Saddam Hussein e o da recente ocupação americana. Ou melhor, são confissões da barbárie e da dor que ganham voz em um espetáculo difícil, impactante e emotivo que, apesar dos aplausos acalorados ao final da sessão, calou o público que lotou o Teatro Bom Jesus.

Não seria por menos. O título da peça escrita pela canadense Judith Thompson é uma referência ao palácio de governo de Saddam Hussein e as suas câmaras de tortura. Sabemos o que se passou ali pelo relato da militante comunista Nehrjas al Saffarh. Não vemos a tortura do seu filho de 8 anos, só ouvimos a sua descrição. Mas, na voz de Vera Holtz, é como se a tivéssemos assistindo.

A força da palavra é maior do que a da barbárie e é nela que está centrada a montagem densa de Wilker que, além de Vera Holtz, tem Camila Morgado e Antonio Petrin no elenco. O texto original colocava três monólogos em sequência, mas o diretor preferiu intercalá-los em blocos, deixando os atores o tempo todo no palco, entrando e saindo de cena num jogo de luzes estupendo que, no fim das contas, é o único elemento de ação que vemos durante todo o espetáculo.

Ao relato da militante iraquiana morta em um bombardeio durante a Guerra do Golfo em 1993, juntam-se o de Lynndie England (Camila Morgado), a soldado norte-americana que teve suas fotos torturando prisioneiros políticos na prisão de Abu Ghraib divulgadas em 2004, e o de David Kelly (Petrin), o especialista em armas britânico que relatou exageros no relatório sobre a presença de armas químicas no Iraque – o que justificou a guerra em 2002 – e foi encontrado morto em 2003.

Vemos Kelly, justamente, nos seus minutos finais de vida. Ele não quer testemunhas para sua morte, mas é, justamente, o que ele obtém: não só assistimos a sua morte, como presenciamos os seus sentimentos mais graves. Remorso, culpa e medo o envolvem nesses instantes – e a atuação marcante de Petrin parece dosar esses elementos de uma tal forma que não conseguimos nem nos apiedar, nem mesmo condenar o homem atormentado pela situação em que se envolveu.

Não fica claro se Kelly cometeu o suicídio ou foi assassinado. O texto, a despeito da conclusão da polícia britânica de que ele teria se matado, deixa a dúvida no ar. É como se ele, o texto, não se permitisse em ser determinante em nenhum aspecto dos relatos, nem mesmo no da soldado americana, que diz não se arrepender dos abusos que cometeu. Este distanciamento só parece diminuir quando se ouve o relato da personagem de Vera Holtz. Diante da crueldade e da tragédia que se apresenta, é impossível ficar indiferente, ainda mais quando ela vem à tona na voz de uma atriz tão experimentada e tão humana em suas atuações. Unimo-nos a sua dor e ao que ela representa. E, embora a realidade dos conflitos nos soe distante, é aí que podemos dizer que estamos envolvidos.

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