Por Thiago Gomes Anastácio
Militares da reserva foram denunciados há poucos dias em razão de fatos ocorridos nos anos 1970. Estamos resolvendo problemas do passado e voltando páginas no incontrolável livro que é a história. Os motivos parecem nobres. O problema está no método, ilegal e desrespeitador do acordo chamado Anistia.
Três pontos têm sido levantados contrários à denúncia:
1- A denúncia é uma forma de chantagem processual, com a única (e desviante) finalidade de saber a localização dos corpos;
2- A anistia abarcou os crimes cometidos naquele período por ambos os lados da luta armada;
3- Existe a certeza legal (Lei 9.140) sobre a morte dos desaparecidos.
O primeiro argumento, de caráter político, se for analisado por esse exercício lhe dará contorno de verdadeiro achismo; assim, não será analisado. Os dois pontos subsequentes são óbvios. Sobre a anistia não se permite mais discussão depois da decisão do Supremo Tribunal e a qualidade de seus votos (o de Celso de Mello, um primor!) que, se diga, já eram desnecessários, sendo bastante a reprografia do brilhante parecer da OAB lançado à época, pensado e redigido por Sepúlveda Pertence. Sobre a certeza civil da morte, a lei é clara e não merece discussão, tanto assim que os familiares de desaparecidos já receberam as tristemente parcas indenizações do Estado brasileiro.
Interessa, e serão breves as observações, a certeza moral da morte. À época do homicídio envolvendo o goleiro Bruno, do Flamengo, a ConJur publicou artigo do promotor de justiça Edilson Mougenot Bonfim, em que se afirmava ser a certeza moral da morte o bastante para satisfazer o requisito prova da materialidade. Um dos exemplos externados por esse brilhante promotor de justiça (hoje Corregedor Geral do município de São Paulo) foi a do homicídio cometido com o lançamento de um homem, por outro homem, em tanque de ácido sulfúrico. Poderia se resgatar restos mortais? Não. Ocorrera a morte, filmada ou testemunhada? Claro que sim.
Esse relato serve para observamos alguns pontos nesse novo capítulo. O sequestro tem como característica seu caráter permanente, ininterrupto, não momentâneo. Esse é o trunfo da acusação. E comprova sua desgraça.
Trunfo porque se permite a abertura de investigação e persecução criminal a qualquer tempo, pois, como dito, tal crime, até seu término (libertação ou morte) continua acontecendo (esqueça-se por ora a anistia).
E sua desgraça, já que bastará a confissão das mortes para alcançarmos situação jurídica absolutamente acachapante: confessar crime mais grave (homicídio) e arrolar testemunhas que confiram certeza moral às mortes destroçará o objetivo do processo-crime, que é a condenação por sequestro.
Juiz: O senhor sequestrou?
Réu: Sim, e matei dois dias após o sequestro, depois de muita tortura, é claro.
Juiz: Tudo bem então, pode ir para casa.
As páginas do livro que ficaram para trás, podem, forçadamente, voltar ao tempo presente, mas a ausência de sentido será irremediável, refletindo espanto ao direito e a política.
Thiago Gomes Anastácio é advogado
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2012
Militares da reserva foram denunciados há poucos dias em razão de fatos ocorridos nos anos 1970. Estamos resolvendo problemas do passado e voltando páginas no incontrolável livro que é a história. Os motivos parecem nobres. O problema está no método, ilegal e desrespeitador do acordo chamado Anistia.
Três pontos têm sido levantados contrários à denúncia:
1- A denúncia é uma forma de chantagem processual, com a única (e desviante) finalidade de saber a localização dos corpos;
2- A anistia abarcou os crimes cometidos naquele período por ambos os lados da luta armada;
3- Existe a certeza legal (Lei 9.140) sobre a morte dos desaparecidos.
O primeiro argumento, de caráter político, se for analisado por esse exercício lhe dará contorno de verdadeiro achismo; assim, não será analisado. Os dois pontos subsequentes são óbvios. Sobre a anistia não se permite mais discussão depois da decisão do Supremo Tribunal e a qualidade de seus votos (o de Celso de Mello, um primor!) que, se diga, já eram desnecessários, sendo bastante a reprografia do brilhante parecer da OAB lançado à época, pensado e redigido por Sepúlveda Pertence. Sobre a certeza civil da morte, a lei é clara e não merece discussão, tanto assim que os familiares de desaparecidos já receberam as tristemente parcas indenizações do Estado brasileiro.
Interessa, e serão breves as observações, a certeza moral da morte. À época do homicídio envolvendo o goleiro Bruno, do Flamengo, a ConJur publicou artigo do promotor de justiça Edilson Mougenot Bonfim, em que se afirmava ser a certeza moral da morte o bastante para satisfazer o requisito prova da materialidade. Um dos exemplos externados por esse brilhante promotor de justiça (hoje Corregedor Geral do município de São Paulo) foi a do homicídio cometido com o lançamento de um homem, por outro homem, em tanque de ácido sulfúrico. Poderia se resgatar restos mortais? Não. Ocorrera a morte, filmada ou testemunhada? Claro que sim.
Esse relato serve para observamos alguns pontos nesse novo capítulo. O sequestro tem como característica seu caráter permanente, ininterrupto, não momentâneo. Esse é o trunfo da acusação. E comprova sua desgraça.
Trunfo porque se permite a abertura de investigação e persecução criminal a qualquer tempo, pois, como dito, tal crime, até seu término (libertação ou morte) continua acontecendo (esqueça-se por ora a anistia).
E sua desgraça, já que bastará a confissão das mortes para alcançarmos situação jurídica absolutamente acachapante: confessar crime mais grave (homicídio) e arrolar testemunhas que confiram certeza moral às mortes destroçará o objetivo do processo-crime, que é a condenação por sequestro.
Juiz: O senhor sequestrou?
Réu: Sim, e matei dois dias após o sequestro, depois de muita tortura, é claro.
Juiz: Tudo bem então, pode ir para casa.
As páginas do livro que ficaram para trás, podem, forçadamente, voltar ao tempo presente, mas a ausência de sentido será irremediável, refletindo espanto ao direito e a política.
Thiago Gomes Anastácio é advogado
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2012
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