domingo, 3 de julho de 2011

Cassandra e Afrodite

Maurício Loureiro Gama – in memoriam

POR PAULO EMENDABILI SOUZA BARROS DE CARVALHOSA

Greves de categorias profissionais do setor público com conflitos de rua, na Grécia e Espanha, apontam para um único ponto. A dificuldade crescente de governos diante de um trem desgovernado em rota de colisão frontal com o forte endividamento público. A dívida soberana europeia, como um todo, acelera rapidamente.

A crise atinge Portugal, do qual se esperava no início de abril que construísse uma barreira contra o contágio financeiro na Península Ibérica. Isto não se verificou, acarretando o aumento do custo do dinheiro para a Espanha, que aumentou em meio aos rumores crescentes de que a dívida da falida Grécia não venha a ser reestruturada.

O congresso dos EUA negocia com o Executivo a licença para aumentar seu déficit público considerando que o endividamento norte-americano atingiu U$ 14,5 trilhões, superando a capacidade de pagamento dos títulos nas praças mundiais a partir de agosto. Nos EUA, a soma deste endividamento público com o do setor privado alcança impagáveis U$ 55 trilhões...

Ao contrário do que disse Lula, frente à crise de agora, Dilma não poderá apostar as fichas na tese da marolinha. A crise econômica e financeira de agora ameaça tomar proporções de tsunami. Os problemas da Europa se acentuaram em abril de 2010 quando a Grécia reconheceu que seu déficit era duas vezes maior do que anunciara antes, necessitando de mais 110 bilhões de euros da UE e do FMI. Portugal, Irlanda e Espanha passam também por severas dificuldades.

Ano passado criou-se o Centro Europeu de Instabilidade Financeira, instituindo-o com um fundo de 250 bilhões de euros, insuficientes para conter o dique rompido da vazão de recursos destinados a programas sociais compensatórios. Inegável a exclusão promovida por processos econômicos corporativos, que concentram lucros e renda em detrimento de significativas parcelas sociais. Daí, os crescentes e violentos conflitos de rua, a questionar não só o modelo econômico, mas o Estado e a democracia de parte de populações que encontram seus jovens desempregados em taxas superiores a 25%.

O Mecanismo Europeu de Estabilização, a entrar em vigor em 2013, dotado com 440 bilhões de euros para emergências parece inócuo para conter os ânimos, pela inflação de preços e restrições de crédito, colocando a Europa no centro do furacão que a todos pode machucar.

A crise de solvibilidade sistêmica do setor financeiro europeu poderá também arremeter contra o mundial, e, por conseguinte, contra a economia brasileira, desestabilizando-a. Primeiro, porque nossas reservas são prevalentemente em dólar. Segundo, porque a oferta ingente de dólar e euro é tamanha, que o preço das moedas tende a baixar a níveis insuportáveis para as nossas exportações. Terceiro, porque se a crise alcançar com força a economia norte-americana, eventual moratória dos EUA colocaria em cheque toda a economia global.

Traduzindo: retorno da inflação; juros em alta; retração da produção; desemprego crescente; contração das vendas, aumento da carga tributária, dado o forte endividamento público. Ou seja: Se Cassandra entrar vestida na crise, Afrodite não sai pelada no Carnaval...

Ponto final.

Copiado do jornal O Progresso de Tatuí, edição 5.529, edição de 26.06.2011

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