Do site Consultor Jurídico
“A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade.” O entendimento, manifestado pelo ministro Celso de Mello em
voto dado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, consagrou como direito constitucional a formação de família por casais homossexuais.
Por unanimidade, a corte decidiu equiparar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Na prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro. A interpretação deu origem ao quarto tipo de família brasileira, além das constituídas pelo casamento, pela união estável e a monoparental, em que há apenas um responsável, como pai ou mãe. Entre outras possibilidades, casais gays agora podem pleitear direito a herança, partilha de bens e pensão alimentícia.
Segundo o ministro, a legislação é dura contra as relações homossexuais por influências religiosas históricas, como as Ordenações portuguesas que puniam com a morte os praticantes dos assim chamados “atos de sodomia”. Mais tarde, a inquisição católica no Brasil perseguiu severamente os homossexuais, instalando os preceitos inclusive no poder público, “como resulta claro da punição (pena de prisão) imposta, ainda hoje, por legislação especial, que tipifica, como crime militar, a prática de relações homossexuais no âmbito das organizações castrenses”, diz o ministro em seu voto. De acordo com ele, “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual”.
De acordo com Celso de Mello, o Estado sequer pode criar normas que desigualem indivíduos ao excluí-los de proteções jurídicas, como os benefícios reservados legalmente a casais heterosexuais. A decisão pelo reconhecimento da união homoafetiva como família, segundo o ministro “não é nem pode ser qualificada como decisão proferida contra alguém, da mesma forma que não pode ser considerada um julgamento a favor de apenas alguns”. Em seu entendimento, o Congresso Nacional reluta em legitimar os direitos gays por refletir o sentimento da maioria da população. Mas o Legislativo, segundo ele, “não pode legitimar, na perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional, a supressão, a frustração e a aniquilação de direitos fundamentais”. E resumiu: “ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República”.
Para ele, o silêncio constitucional quanto a uniões homossexuais não foi “voluntária ou consciente” do legislador constituinte. O artigo 226 da Constituição Federal, em seu parágrafo 3º, diz ser “reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”. Citando doutrina do constitucionalista Luís Roberto Barroso, o ministro afirmou que o dispositivo, ao reconhecer uniões estáveis sem casamento como família, teve objetivo de inclusão e, por isso, não poderia ser interpretado como norma excludente dos homossexuais.
“A qualificação da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que presentes, quanto a ela, os mesmos requisitos inerentes à união estável constituída por pessoas de gêneros distintos, representará o reconhecimento de que as conjugalidades homoafetivas, por repousarem a sua existência nos vínculos de solidariedade, de amor e de projetos de vida em comum, hão de merecer o integral amparo do Estado, que lhes deve dispensar, por tal razão, o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais”, explicou Celso de Mello.
O ministro também rebateu as críticas de que, ao preencher lacunas da Constituição, a corte adota postura ativista e avança sobre atribuições do Legislativo. “O Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República”, disse. “Práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos.”