POR HENRIQUE AUTRAN DOURADO
O escritor, musicólogo e primeiro diretor de cultura da capital do Estado, Mário de Andrade, era um duro crítico da enorme devoção das famílias brasileiras ao estudo e execução do piano, em prejuízo de todos os demais instrumentos. Verdadeiro “sarampo” de quase um século de duração, a “pianolatria” de que ele falava teve início nos tempos do Império, com os primeiros cravos, virginais, clavicórdios e pianofortes trazidos pela Corte. Depois, chegando aos portos de Santos e Rio de Janeiro, os instrumentos eram levados por famílias abastadas, às vezes em lombo de burro, para o interior. Tocar piano, para as moças casadoiras, era uma prenda especial, tal qual fazer quitutes e docinhos, costurar e bordar.
Na metade do século 19, o Brasil já era um dos maiores compradores de partituras para piano, superando até mesmo países em que a tradição da música “culta” vinha de muito antes. Eram peças para danças como as suítes, sonatas ou árias de ópera em que as moçoilas podiam também expor seus maviosos dotes vocais. Do início do século 20, é clássica a foto de um quase pronto Theatro Mvnicipal (grafia da época) de São Paulo, que mostra diversos pianos Pleyel chegando carregados por magros burros de carga. No Rio de Janeiro, a cena foi a mesma.
Surgiram Arnaldo Estrela, Guiomar Novaes, Magdalena Tagliaferro; seguiu-se uma nova constelação internacional: Roberto Szidon, Cristina Ortiz, Guedes Barbosa, Nelson Freire, Yara Bernette, Marco Antonio de Almeida, Caio Pagano, Flávio Varani, Diana Kacso, Moreira Lima, Ricardo Castro e outros.
No passado do que hoje se chama piano moderno, somavam-se à Pleyel marcas de renome como Bechstein, Bösendorfer, Petroff e Bluthner. No entanto, uma grande revolução começava a ser gestada: em 1853, em Nova Iorque, e depois em Hamburgo, Alemanha, a família Steinweg fundou a fábrica Steinway. No início do século 20, o piano Steinway tornou-se uma joia de madeiras perfeitas, do tampo harmônico ao móvel e à parte mecânica, um conjunto que veio para elevar o piano ao status de grande estrela entre os instrumentos solistas. O Brasil demorou para ingressar de vez no seleto clube de possuidores de Steinways devido ao preço (alguns raros podem valer mais de um milhão de dólares), mas hoje há vários, seja no Rio ou por aqui, no Teatro Municipal e na Sala São Paulo.
Por absurdo que pareça, grandes artistas de hoje chegam a dizer “não toco piano, toco Steinway”. A pianista argentino-americana Martha Argerich, uma das maiores da atualidade, declarou que o instrumento é “possuidor de uma estranha magia, às vezes toca melhor do que o pianista, oferecendo-lhe uma surpresa maravilhosa” (in Baroni, tese de Doutorado pela ECA/USP, 1999, de cuja banca examinadora participei). Vi o jazzista canadense Oscar Peterson cancelar um show, já sobre o palco, pois o Steinway oferecido não estaria à sua altura. Outros, como o lendário Alfred Brendel, também não tocam em “qualquer” Steinway.
O Conservatório de Tatuí possui um Steinway de cauda inteira, que tem sido utilizado com sucesso. Mas era preciso outro: após dois meses de negociações com o Banco Itaú, via Itaú Cultural, obtivemos de um neto do escritor Paulo Setúbal, filho emérito da cidade, um Steinway especial, em doação assinada por Alfredo Egydio Setúbal. Tudo em sigilo, para evitar algum olho gordo. Cheguei ao Conservatório, com o assessor pedagógico Antonio Ribeiro e o motorista Durvalino Longanezzi, na quinta-feira, dia 10 de março, à frente de um caminhão de empresa especializada no transporte de Steinways do depósito, em Barueri.
Mal dava para conter a ansiedade, enquanto desembalavam um modelo Grand Concert D especial, do “Banco de Pianos de Concerto” (série 561). Feliz a cidade que tem entre os netos de um de seus próceres alguém que olhe por ela com carinho especial da forma com que Alfredo Setúbal, filho de Olavo, neto de Paulo, olhou para Tatuí e sua escola de música. Obrigado, doutor Alfredo! Seu nome será lembrado para sempre, mesmo quando nenhum de nós estivermos por aqui, pois os Steinways são diamantes: preciosos e para sempre.
O escritor, musicólogo e primeiro diretor de cultura da capital do Estado, Mário de Andrade, era um duro crítico da enorme devoção das famílias brasileiras ao estudo e execução do piano, em prejuízo de todos os demais instrumentos. Verdadeiro “sarampo” de quase um século de duração, a “pianolatria” de que ele falava teve início nos tempos do Império, com os primeiros cravos, virginais, clavicórdios e pianofortes trazidos pela Corte. Depois, chegando aos portos de Santos e Rio de Janeiro, os instrumentos eram levados por famílias abastadas, às vezes em lombo de burro, para o interior. Tocar piano, para as moças casadoiras, era uma prenda especial, tal qual fazer quitutes e docinhos, costurar e bordar.
Na metade do século 19, o Brasil já era um dos maiores compradores de partituras para piano, superando até mesmo países em que a tradição da música “culta” vinha de muito antes. Eram peças para danças como as suítes, sonatas ou árias de ópera em que as moçoilas podiam também expor seus maviosos dotes vocais. Do início do século 20, é clássica a foto de um quase pronto Theatro Mvnicipal (grafia da época) de São Paulo, que mostra diversos pianos Pleyel chegando carregados por magros burros de carga. No Rio de Janeiro, a cena foi a mesma.
Surgiram Arnaldo Estrela, Guiomar Novaes, Magdalena Tagliaferro; seguiu-se uma nova constelação internacional: Roberto Szidon, Cristina Ortiz, Guedes Barbosa, Nelson Freire, Yara Bernette, Marco Antonio de Almeida, Caio Pagano, Flávio Varani, Diana Kacso, Moreira Lima, Ricardo Castro e outros.
No passado do que hoje se chama piano moderno, somavam-se à Pleyel marcas de renome como Bechstein, Bösendorfer, Petroff e Bluthner. No entanto, uma grande revolução começava a ser gestada: em 1853, em Nova Iorque, e depois em Hamburgo, Alemanha, a família Steinweg fundou a fábrica Steinway. No início do século 20, o piano Steinway tornou-se uma joia de madeiras perfeitas, do tampo harmônico ao móvel e à parte mecânica, um conjunto que veio para elevar o piano ao status de grande estrela entre os instrumentos solistas. O Brasil demorou para ingressar de vez no seleto clube de possuidores de Steinways devido ao preço (alguns raros podem valer mais de um milhão de dólares), mas hoje há vários, seja no Rio ou por aqui, no Teatro Municipal e na Sala São Paulo.
Por absurdo que pareça, grandes artistas de hoje chegam a dizer “não toco piano, toco Steinway”. A pianista argentino-americana Martha Argerich, uma das maiores da atualidade, declarou que o instrumento é “possuidor de uma estranha magia, às vezes toca melhor do que o pianista, oferecendo-lhe uma surpresa maravilhosa” (in Baroni, tese de Doutorado pela ECA/USP, 1999, de cuja banca examinadora participei). Vi o jazzista canadense Oscar Peterson cancelar um show, já sobre o palco, pois o Steinway oferecido não estaria à sua altura. Outros, como o lendário Alfred Brendel, também não tocam em “qualquer” Steinway.
O Conservatório de Tatuí possui um Steinway de cauda inteira, que tem sido utilizado com sucesso. Mas era preciso outro: após dois meses de negociações com o Banco Itaú, via Itaú Cultural, obtivemos de um neto do escritor Paulo Setúbal, filho emérito da cidade, um Steinway especial, em doação assinada por Alfredo Egydio Setúbal. Tudo em sigilo, para evitar algum olho gordo. Cheguei ao Conservatório, com o assessor pedagógico Antonio Ribeiro e o motorista Durvalino Longanezzi, na quinta-feira, dia 10 de março, à frente de um caminhão de empresa especializada no transporte de Steinways do depósito, em Barueri.
Mal dava para conter a ansiedade, enquanto desembalavam um modelo Grand Concert D especial, do “Banco de Pianos de Concerto” (série 561). Feliz a cidade que tem entre os netos de um de seus próceres alguém que olhe por ela com carinho especial da forma com que Alfredo Setúbal, filho de Olavo, neto de Paulo, olhou para Tatuí e sua escola de música. Obrigado, doutor Alfredo! Seu nome será lembrado para sempre, mesmo quando nenhum de nós estivermos por aqui, pois os Steinways são diamantes: preciosos e para sempre.
Transcrito do jornal O Progresso de Tatuí de 27 de março de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário