Atriz passou uma semana gravando com a equipe na central de abastecimento e chegou até a vender verdura para sentir o clima e entender como funciona o lugar
23 de maio de 2010 | 0h 00
- Valéria França, de O Estado de S. Paulo - O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Ela já está se sentindo em casa. O porteiro da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) é o primeiro a reconhecê-la. Depois de cumprimentá-la, manda lembranças para todo o elenco da novela Passione, da TV Globo, que estreou na segunda-feira, às 21 horas, e teve as primeiras cenas gravadas ali. A atriz Vera Holtz, de 57 anos, que interpreta a feirante Candê, sorri, feliz com o reconhecimento, e diz que não vai se esquecer do recado.
Em seguida, caminha Ceagesp adentro, acenando, dando autógrafos e tirando inúmeras fotos com os feirantes. "A primeira vez que coloquei os pés na Ceagesp para gravar a novela não foi assim. Ninguém me reconheceu", conta Vera. "Parecia uma atriz invisível e olha que tinha uma grua imensa bem atrás de mim."
Vera usava um avental, como a maioria dos feirantes. O seu era rosa, mas se confundia com os jalecos azuis, vermelhos e amarelos dos demais trabalhadores do setor de verduras. Confusão, pressa e muita gritaria dão o clima. "A energia é muito vigorosa. É testosterona na veia", diz a atriz. "Os carregadores só faltam passar com o carrinho em cima de você. Eles não olham quem está à frente. Vão passando."
No meio das filmagens, um cliente desavisado, acostumado a comprar na banca de Flávio Lima dos Santos, de 21 anos, que funciona no local onde a equipe da Globo montou a banca da Candê, nem percebeu quem era a verdureira do dia. "Quanto custa?", perguntou. A atriz ficou surpresa e não sabia como agir. "Daí o diretor disse "interage, Vera". Então vendi uma caixa de alface crespa por R$ 5." Os feirantes só perceberam que havia global na área quando Reynaldo Gianecchini, que interpreta o vilão Fred, filho de Candê, chegou.
Feirante. Durante uma semana, Vera vestiu seu jaleco rosa para encarnar a verdureira na Ceagesp. Percebendo a falta de intimidade da atriz com as verduras, Santos resolveu dar umas dicas. "Ela estava molhando as alfaces com um macinho de manjericão. Não dá. Falei que precisava pegar o regador mesmo", conta Santos, que cresceu entre salsa, catalonha, alface, rúcula.
"Foi fundamental para entender como funciona este mundo, que é muito diferente do resto. Tem códigos próprios", afirma Vera. Enquanto ela mergulhava no repertório, os técnicos da emissora analisavam cada detalhe da estrutura do prédio para reproduzi-lo no Projac, estúdio da TV Globo, no Rio. "O Ceagespinho ficou ótimo", diz Vera, que agora grava todas as suas cenas no cenário novo.
Mas como vai ser a Candê? Uma típica italiana? "Não, ela vai ser mais larrrgada." Como assim? "Ela é uma personagem que nasceu no interior de São Paulo, em algum lugar da Rodovia Castelo Branco. Vai pronunciar muito bem os erres das palavras." Muito provavelmente será a característica mais fácil do personagem para atriz. Vera nasceu em Tatuí, região sudoeste do Estado, com quase 250 mil habitantes. Filha de pai alemão (José Carlos Holtz) e mãe italiana (Teresinha Fraletti), e a terceira de quatro irmãs, deixou a cidade para estudar Arte Dramática em São Paulo. E trouxe consigo o seu forte sotaque.
"Ela, graças a Deus, conquistou espaço sem perder a autenticidade", diz o diretor gaúcho de teatro Caco Coelho, ex-marido de Vera, que hoje está à frente da Usina do Gasômetro, um agitado centro cultural de Porto Alegre. "Em Tatuí, ela estudava piano, participava de um programa de rádio, era capitã de um time de vôlei e até foi miss", conta Coelho. "E conhecia todos da sua rua."
Quando chegou a São Paulo, sem perspectivas, instalou-se em um albergue e trabalhou em todas as funções de bastidor. Vera começou nos palcos com a peça Rasga Coração, no fim da década de 1970, com Raul Cortez e Lima Duarte. Era do coro. "Mas também cozinhava a sopa do elenco", lembra Coelho.
Mesmo antes de ir para a TV, era muito comunicativa. "Vera é uma fanfarra. Quando entrávamos em um restaurante, falava com todo mundo. Vera é aquela que organiza a festa, une casais e está sempre feliz." E continua assim até hoje. "Minha tia conversa com todos do meu prédio", diz a psico-oncologista Luciana Holtz, de 34 anos, que nos últimos tempos a hospeda em São Paulo.
Vida em São Paulo. Vera mora no Jardim Botânico, bairro que virou reduto de atores no Rio, mas pretende se mudar para São Paulo até o fim deste ano. Vem planejando isso há dez anos. "Tudo tem de ser feito com muita delicadeza. Não se pode passar por cima das coisas", diz Vera, que primeiro comprou um apartamento nos Jardins, bairro badalado, e depois adquiriu a unidade vizinha. Agora começaram as obras para unir as duas propriedades.
"Voltar para São Paulo faz parte de um novo processo. Quero expandir meus conhecimentos e atividades", diz Vera. "Não vou me acomodar com o que já aprendi. Quero mais. Apesar da idade, vou continuar com minhas porteiras abertas."
Extraído do site www.estadao.com.br
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